Antônio Álvares da Silva*
A nação está agitada com os acontecimentos políticos. Em inquérito que apura a produção de “fake news’”, o relator do caso, ministro Alexandre Moraes, determinou busca na casa de várias pessoas, dentre as quais se destacam Roberto Jefferson e Luciano Hang. Um habeas corpus foi interposto pelo ministro da Justiça André Mendonça.
O presidente manifestou-se irado e sem controle dizendo que daqui para frente imporá limites a ações de outros poderes contra o Executivo. Foi seguido e apoiado por outros membros do governo, inclusive pelo vice-presidente.
Primeiramente vamos examinar o lado jurídico da questão: a Constituição diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
O texto é claríssimo porque se dirige ao cidadão em um de seus direitos básicos, o direito de locomover-se, ou seja, ir, vir e ficar onde quiser, sem sofrer ameaça ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.
Este direito é consagrado de uma forma ou de outra em todas as nações civilizadas do mundo atual, funcionando como defesa contra o Estado e seus prepostos, quando agirem com ilegalidade ou abuso de poder.
O STF decidiu abrir inquérito para apurar uma campanha sistemática contra seus ministros, inclusive com ameaça de incendiar o plenário e dar um tiro nas costas de cada um.
Nesta ação seria apurado uma acusação do ex-ministro Sérgio Moro ao presidente Bolsonaro, de que ele pretendia atuar junto à PF para obter informações e controle contra atos desta corporação que viessem a prejudicar seus interesses ou de seus familiares.
Moro indicou, como prova de sua acusação, um vídeo em que o presidente teria confessado este propósito. A divulgação do vídeo foi autorizada pelo ministro Celso de Melo. Nele foi dito por Weintraub que “se dependesse de mim, poria todos estes vagabundos na cadeira, a começar pelos os ministros do STF.”
Sobre esta afirmação o min. Weintraub foi citado para depor no inquérito das “fake news”. Contra esta notificação, o ministro interpôs habeas corpus preventivo, através do min. da Justiça André Mendonça. Agora vem a pergunta: todo mundo ouviu as palavras que ele proferiu na reunião ministerial. Convocar alguém para depor sobre o que falou é ameaça à sua liberdade de ir, vir ou ficar? Age com ilegalidade ou abuso de poder a autoridade competente que determinou o depoimento?
Evidentemente, não. Todos são iguais perante a lei e, se for convocado, tem que atender ao chamado lícito. Não há violação da liberdade de locomoção por violência ou coação, mas apenas uma convocação para depor a que todo brasileiro tem de submeter-se pois o serviço da Justiça é de ordem pública.
Conclusão: o habeas corpus deve ser indeferido por duas razões: não houve qualquer ilegalidade ou abuso de poder da autoridade que convocou o min. Weintraub para depor pois o cumprimento da lei não é atentado contra a liberdade de ninguém. A segunda razão é min. da Justiça não é autoridade competente para interpor habeas corpus em favor de quem quer que seja. Esta atribuição é da AGU.
*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG