Horizonte: entre o aqui e o acolá

29/06/2021 às 18:14.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:17

Marcos Nascimento*

Quando estive na Feira de Livros de Bolonha, na Itália, em 2019, tive a oportunidade de conhecer o trabalho de Carolina Celas, autora e ilustradora do livro Horizonte. O encontro foi inusitado. Eu já tinha me encantado pelo livro no estande da Editora portuguesa Orfeu Negro no dia anterior, mas o livro já estava esgotado. Lamentei. Mas naquele dia, o pequeno estande da editora estava lotado, uma fila enorme em volta do estande onde esperavam pacientemente, com seus livros nas mãos, os sortudos e sortudas que haviam conseguido comprar o livro. Na mesa de autógrafos estava Carolina Celas, discreta e tímida, autografando os livros com seus maravilhosos desenhos. Tive uma sorte danada quando consegui um exemplar de presente do Ministério da Cultura de Portugal, que tinha seu estande logo ali do lado. Até aquele momento me sentia como a menina que deseja muito um livro no conto Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector. Mas, naquele momento, pude desfrutar de uma felicidade nada clandestina. Hoje desfruto da alegria, como leitor, de ter o meu exemplar autografado pela Carolina e o privilégio, como editor, de trazer esse maravilhoso livro para os leitores e leitoras do Brasil.

Horizonte é um livro com belíssimas ilustrações e projeto gráfico refinado. A autora apresenta o seu universo poético de maneira sensível e encantadora. O horizonte está subentendido nos olhares, marca indelével dessa narrativa, que provoca deslocamentos de sentidos. O horizonte, que se escreve, no singular, apenas uma vez na capa do livro, pode estar aqui, acolá, visível ou disfarçado. A procura é parte desse movimento. Faz-nos querer agarrá-lo, mas ele parece nos escapar sempre. Nessa narrativa para crianças de todas as idades, o objetivo da busca talvez esteja, todo o tempo, bem próximo ou mesmo distante, só ao alcance da imaginação. 
O título Horizonte bem que poderia estar no plural, “Horizontes”, porque é isso que o livro faz todo o tempo, remetendo os leitores e leitoras a múltiplas perspectivas, a múltiplos olhares sobre as realidades, a possibilidades sempre imaginadas a partir do olhar sobre as coisas, sobre o mundo. 

Em Horizonte, o fluxo da narrativa é indeterminado. Há uma busca permanente de sentido e, como livro ilustrado, as imagens compõem um enredo de maneira absolutamente integrada ao texto. O horizonte (ou os horizontes) é, ao mesmo tempo, texto e imagem a expressar mais do que uma perspectiva estética, mas, sobretudo, uma perspectiva da linguagem. O texto, na sua forma escrita, é um elemento também da ilustração, seja pela posição que ocupa na página, seja pela cor das letras em determinados momentos da narrativa visual. Não é possível despregar o texto da imagem nem a imagem do texto. Essa integração orgânica entre texto e imagem só é possível por meio de um projeto gráfico conscientemente elaborado para produzir determinados efeitos de sentido. O projeto gráfico da obra é marcado pela presença de várias linhas, retas e sinuosas, indicando a divisão e ou a separação de espaços,ao mesmo tempo em que indica movimentos. 

O título do livro é escrito em letra cursiva. A linha branca cria uma divisão no meio do livro. Essa grossa linha branca horizontal que divide o livro ao meio também está presente na imagem da metade superior da capa, parecendo formar caminhos que cortam montanhas azuis, rosas e vermelhas. Aponta para um belo horizonte, mas também para novos horizontes escondidos por detrás das montanhas coloridas.
 
Tal efeito de demarcação, delimitação, separação, não produz uma ideia de dicotomização do espaço da página, como, por exemplo, em cima/em baixo, na medida em que esta demarcação se dilui através da perspectiva visual criada. Este traço sempre remete o leitor para além do texto e da imagem. Este corte, esta linha, cria certa perspectiva que é, ao mesmo tempo, visível e imaginada.

Este é um livro para todas as idades. Está repleto de surpresas ao longo da narrativa. As cores, o jogo de imagem e texto, a perspectiva inspiram e nos fazem imaginar que há sempre novos caminhos a serem trilhados.
 

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