João Guimarães Rosa: o vaqueiro

17/08/2021 às 15:58.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:42

Sebastião Alvino Colomarte*

Sabedor do desejo de seu primo, o fazendeiro Francisco Guimarães Moreira, mais conhecido como Chico Moreira, convidou João Guimarães Rosa a ver a saída de uma boiada de sua fazenda Sirga, às margens do rio São Francisco, em Três Marias, até sua outra fazenda-sede São Francisco, no município de Araçaí, pertinho de Cordisburgo. Guimarães Rosa não só aceitou o convite como disse que acompanharia todo o percurso.

A viagem, ou travessia como era chamada, ocorreu no mês de maio de 1952 e durou nove dias, percorrendo 40 léguas, cerca de 240 quilômetros. O desejo de Guimarães Rosa era vivenciar o sertão, conhecer os pormenores de como era a vida do caboclo, do sertanejo, ou seja, costumes, comportamentos, linguagem ou jeito de falar, sentimentos e sua alimentação.

Na manhã do dia de sua partida, a caravana iniciou a marcha sob chefia do boiadeiro Manuelzão, o capataz da fazenda. Era o homem experiente e de confiança de Chico Moreira. Aliás, Chico e seu filho Crioulo, de 17 anos, acompanharam a comitiva durante os primeiros três dias para observar o ânimo do primo para aguentar a viagem.

No passado, a condução de gado em comitiva era muito frequente, principalmente no Norte de Minas Gerais, nas regiões de Montes Claros, Janaúba, Pedra Azul. Os fazendeiros gostavam de comprar gado nessas regiões porque tinham animais muito bons e sadios. As distâncias chegavam a 40 léguas, cerca de 360 quilômetros de suas sedes. Para trazer o gado, contavam com bons capatazes e vaqueiros de confiança. 

Eram rebanhos de 300 a 400 animais já erados, com dois ou três anos de idade que, quando chegavam às fazendas, eram engordados e vendidos a bom preço. Durante a viagem ocorria de um animal se perder e outras vezes adoeciam e morriam, por isso, muitas vezes peões e vaqueiros recebiam prêmios pelo número de cabeças que chegavam a seu destino.

Cordisburgo já foi cenário da passagem de muitas comitivas tangendo o gado. Na Praça Miguelim, que fica em frente à igrejinha do patriarca São José (hoje infelizmente abandonada e se deteriorando), existe o portal Grande Sertão, que retrata muito bem as figuras de cavaleiros, com estátuas esculpidas em bronze em tamanho natural que inclui a figura do grande escritor e filho da terra João Guimarães Rosa.

Nos dias atuais já não existem essas longas viagens em estradas de terra para conduzir gado a cavalo; só pequenos deslocamentos locais, de uma fazenda próxima a outra. Os boiadeiros do passado foram substituídos pelos caminhões boiadeiros nas longas distâncias, e os marginais de hoje utilizam caminhões e carreta para roubar o gado nas fazendas.

Segundo relatos, a experiência para João Guimarães Rosa foi muito boa. O escritor se transformou em vaqueiro velho para acompanhar a comitiva e não só cumpriu todo o trajeto como vivenciou, como era seu desejo, a vida do sertanejo. Foi assim que acumulou vasto material para sua grande obra da literatura brasileira “Grande Sertão: Veredas”. Ele captou, como ninguém, a vida do sertanejo, criando diversos tipos de personagens com o foco no homem do campo.

*Membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa de Cordisburgo e diretor-presidente do Centro de Integração Empresa-Escola de Minas Gerais (CIEE/MG

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