Judiciário e legitimidade

22/06/2020 às 19:29.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:50

Antônio Álvares da Silva*
 

Os fatos recentes, quando as pessoas jogaram fogos contra a sede do STF, são sintomáticos e revelam a distância do Judiciário em relação ao povo que ele representa. Quando um juiz do Tribunal Constitucional alemão pronuncia uma sentença, a Lei que dispõe sobre a organização daquele tribunal determina que o juiz no cabeçalho do voto escreva que aquela decisão se dá “Im Namen des Volks”, ou seja, em nome do povo. Com isso se quer salientar que o juiz fala em nome daqueles que lhe pediram justiça, com a convicção de que o tribunal vai atendê-los. É isto que se chama legitimidade. Não basta, portanto, a existência de um tribunal. É preciso que o povo creia que ele vá julgar com discernimento e isenção.

Os múltiplos erros do Judiciário, embora facilmente corrigíveis, persistem no tempo. Por isto perdeu a legitimidade de órgão julgador e passou a sofrer a desconfiança do povo, ou seja, daqueles que o sustentam com sua fé, esperança e tributos.

As sucessivas agressões que vêm sofrendo o STF e seus ministros é o epílogo desta cadeia de erros e só terá cura quando o Judiciário brasileiro sofrer uma profunda reforma, na qual se dará efetivamente ao juiz a condição de julgar, fazer justiça e transformar de fato a sociedade.
O Supremo brasileiro destina-se à defesa da Constituição. Mas, por razões históricas ou para atender a momentos circunstanciais, esta competência originária estendeu-se também para julgamento de questões em recurso ordinário e extraordinário, tornando pesada e difícil sua atividade jurisdicional. 

Hoje, administrando uma carga de 30 mil processos, tornou-se impossível julgar com rapidez e profundidade. O resultado é um acúmulo de processos e retardo na função judicante.

O STF é misto pois, além da função jurisdicional, é também um tribunal político no sentido técnico do termo, ou seja, decide ainda questões que envolvem também os outros Poderes da República, em julgamentos polêmicos, que despertam grande interesse em toda a sociedade. No julgamento destes litígios o ministro tem que ter muita prudência e bom-senso pois tais julgamentos podem estender-se além dos limites da discussão jurídica e afetar a independência dos demais Poderes.

Em grande quantidade, determinadas questões que são objeto de leis ou atos normativos acabam vindo em forma de decisões políticas, obrigando o Supremo a decidir o que seria objeto de consideração dos outros Poderes. Surgem então conflitos que agitam interesses legislativos e administrativos, suscitando conflitos políticos como agora, que atingem até mesmo a ordem constitucional.
Hoje a composição e atuação do STF é criticada por grupos na rua, pedindo a volta do regime militar ou proferindo ameaças pessoais e explícitas contra a pessoa de ministros, o que é um absurdo perante a ordem jurídica estabelecida.

Se tais grupos estão insatisfeitos, por que não aproveitam a oportunidade para, dentro da lei, propor a reforma do STF e, por consequência, a de todo o Judiciário? Há várias reformas possíveis e o próprio autor deste artigo tem lutado muito na universidade, propondo mudanças e reformas simples, imediatas e factíveis que melhorariam a performance do Supremo, restabelecendo sua legitimidade perante povo, tais como a participação popular na escolha de juízes dos tribunais superiores, principalmente do próprio STT, através de uma forma especial de eleição direta.

As demonstrações seriam então pacíficas e legítimas, sugerindo ao Legislativo a mudança que se faz necessária. Só assim os juízes passariam a julgar de fato em nome do povo e o Judiciário se transformaria num efetivo instrumento de estabilidade e engrandecimento do país.

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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