Julgamento de Dilma Rousseff

20/04/2016 às 21:39.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:03

Antônio Álvares da Silva (*)

O que se viu na televisão, presenciado pelo Brasil e pelo mundo, foi a repetição de uma catarse coletiva, mostrada com as vivas cores da catarse grega, pela qual se fazia a purificação da alma para torná-la livre dos males que a oprimem e lhe causam sofrimento. Por isso tem emprego generalizado na psiquiatria, na filosofia e nas ciências sociais.

O homem busca uma perfeição permanente. O valor do bem e da justiça acompanha-o em tudo que faz na sua vida terrena. Nenhum valor se realiza completamente. O bem absoluto, a justiça plena, são conceitos desconhecidos porque são apenas parcialmente realizados. Ser justo nos julgamentos, bom na convivência, sábio nas decisões, completo no conhecimento são ideais que o homem procura sempre sem nunca atingir permanentemente.

A literatura grega criou a catarse, como meio de purificação da alma, através de fatos humanos em que a tragédia, as contradições e a maldade procuram fazer do sofrimento uma aprendizagem permanente, como salienta Antônio Freire, no seu notável livro Teatro Grego, p.78.

Mas, para que haja esta purificação, é preciso localizar o mal e expurgá-lo do convívio humano, ou seja, procura-se uma causa para os atos expiatórios. Se ela não existe é preciso criá-la para justificar violências coletivas e simulacros de julgamento. Para o nazismo, o judeu é um mal cuja causa até hoje se desconhece. Para o mundo ocidental, o comunismo era o pior dos monstros até bem pouco tempo. Para os derrotados, a razão é sempre do vencedor.

Um surdo sentimento de repulsa desenvolveu-se na sociedade contra a presidente Dilma Rousseff. Sua imagem tornou-se símbolo da incapacidade, do desgoverno, dos erros e da imperfeição. A distinção entre sua pessoa e o partido que a elegeu não foi realizada. A corrupção, nunca vista com a intensidade de hoje, exigia um sacrifício. Em vez de buscar os criminosos verdadeiros, os oportunistas que tomaram conta dos Poderes Legislativo e Executivo, escolheram a pessoa da presidente que teria de ser apeada do cargo a qualquer custo.

E assim se fez. Deputados evocando família, filhos, terra natal, amigos íntimos, todos em busca de “justiça”, sentiram-se liberados ao praticar o massacre coletivo a quem pessoalmente não se atribui nenhum crime. Com isto inconscientemente julgavam-se a si próprios, pois o Congresso brasileiro é um reduto de criminosos e fraudadores. Felizmente ainda há uma minoria capaz e boa que segura o desmoronamento definitivo da instituição.

Como lembra Antônio Freira, a tragédia ensina. Aprende-se com o sofrimento. É uma lição permanente com seus personagens. Se assim é na história, procuremos agora a lição que o ato expiatório e sacrificial da presidente nos ensina. Procuraremos em vão. Os que se orgulham de trazer nas mãos uma vitória de Pirro. Com ela nada aprendemos.

Vamos substituir homens sem mudar os fatos. O país está falido e quem assumir o poder se debaterá com o dilema: ou cede, oferecendo o que não tem, ou usa de medidas antipopulares para limpar as estrebarias. Mas logo ouvirá a resposta do povo que, não sendo culpado da falência nacional, não aceitará sozinho o sacrifício que lhe quererão impor. Então os privilegiados procurarão novos motivos para justificar o corte de novas cabeças, as quais podem ser as mesmas dos que hoje degolam réus sem culpa pessoal provada.

Ao contrário da tragédia grega, a do Brasil não nos traz ensinamentos. Apenas a certeza de que andamos longe de ser um país sereno, honesto e responsável, que procura para seus cidadãos um mundo melhor. A única coisa que se aproveita do julgamento é a evocação de alguns deputados, pedindo a Deus misericórdia para nossa pátria. Se não formos atendidos, tudo estará definitivamente perdido.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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