Lições da 'Lava Jato'

23/06/2016 às 06:00.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:00

Antônio Álvares da Silva*

A lei é uma norma genérica e abstrata, expedida pelo legislador para reger a conduta humana, conduzindo-a na direção de valores para se atingir o ideal de justiça. Por faltar-lhe o instinto gregário, o homem se serve das leis para criar e manter uma sociedade justa, até onde é possível.

Acontece que as leis nem sempre são acatadas. Aqueles aos quais ela impõe um ônus (pagar tributos, cumprir obrigações, receber o que tem direito e saldar o que deve) nem sempre desempenham o encargo legal. Adiam, protelam, enganam, forjam demandas infundadas. É preciso então que o credor requeira ao Estado, personificado no juiz, que force o cumprimento das leis.

Institui-se para este fim o Judiciário que se encarrega de fazê-las vigentes e eficazes. Se ele não for capaz deste encargo, por ineficiência, corrupção ou negligência, a ordem jurídica não funciona. O cidadão descrê da Justiça e o Estado perde aos poucos o domínio da conduta desejada pela lei. A desordem se institui e a sociedade mergulha no caos.

As classes privilegiadas dominam a sociedade. A corrupção se espalha e o país não cresce nem evolui. O cidadão se revolta porque não vê retorno dos tributos que paga. A insatisfação torna-se regra, a desesperança rebaixa o ânimo e espalha a insatisfação. Os grandes e poderosos se colocam acima da lei. Os políticos se enriquecem sem nunca ter trabalhado e os valores negativos, que desagregam em vez de unir, passam a ser a regra social vigente.

A Operação “Lava Jato” foi a primeira reação contra este estado de coisas na história do Brasil. Teve um grande e inexcedível mérito: o princípio da igualdade perante a lei deixou de ser uma mera recitação demagógica para se tornar uma realidade social.

Empreiteiros donos de grandes empresas, políticos privilegiados de toda espécie, servidores públicos sem escrúpulos, todos passaram a pagar por seus crimes, mostrando ao povo uma realidade antes impossível.

O procurador-geral Rodrigo Janot repetiu e repete sempre que ninguém mais no Brasil, ninguém mesmo, está superior à lei. A frase é óbvia, mas ficava apenas nos livros. Agora está efetivada na sociedade. Tornou-se uma realidade.

Esta situação foi uma enorme conquista porque ordena a conduta, evita o caos e permite o livre trânsito das pessoas, trazendo segurança e solidez nas relações sociais. É preciso agora que a “Lava Jato” continue, apoiada pelo povo, fazendo a limpeza pública e demonstrando que, onde houver o erro, aí haverá também a punição.

Mas não basta a atuação isenta e incansável do Judiciário para que se limpem as instituições corrompidas, que são a regra geral em nosso país. A sentença dos juízes atinge poucas pessoas. É limitada por natureza. É preciso que se crie a convicção coletiva de que a ordem é melhor do que o crime e que as leis devem ser aplicadas com isenção e severidade.

No instante em que criarmos esta convicção, incutindo no povo a certeza de que as instituições correspondem ao que dela se espera, teremos mudado definitivamente o país. Não podemos cometer o erro da Itália, de achar que só o Judiciário dá conta desta grande tarefa. Não. Ela é principalmente do povo, da vontade coletiva, do desejo de honestidade e mudança que ninguém detém ou impede.

Resta agora a união de todos. Dar apoio às autoridades. Confiar nelas e exigir que cumpram seu dever perante o país. Não podemos perder as esperanças. A hora de salvar o país chegou.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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