Moro, Bolsonaro e nós

27/04/2020 às 18:28.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:22

Antônio Álvares da Silva*

Não há glória sem sofrimento e suplício, diz o velho refrão romano. Mais uma vez, mudando-se apenas os personagens, o velho drama humano se repete com seus ingredientes de tragédia, sofrimento e dor.

Sérgio Moro tem um lugar na história do Brasil. Os jovens do futuro, ao abrir o livro de nossos fastos, vai encontrar a fotografia de Moro e seu legado. Ele fez o impossível e mudou a história do país. Pôs na cadeira os grandes políticos, muitos deles também desonestos e aproveitadores. Provou, como o figurino democrático manda, que cadeia existe para quem comete crime seja pobre, rico, grande ou pequeno.

Por um acaso, quando era juiz no interior do Paraná, julgou alguns casos menores de corrupção e criou fama para a qual o momento era propício. Chefiou a Lava Jato, atuou com gente de competência e cumpriu o dever com correção. Abriram-se para ele as oportunidades do momento adequado que soube usar com capacidade.

É claro que teve também espinhos. A publicação de um site com documentos autênticos, colocou-o em situação difícil quando, juntamente com o Ministério Público, conversou sobre fatos e penas, perdendo a neutralidade, atributo indispensável a qualquer magistrado. Mas seu envolvimento foi menor e não atrapalhou sua vitoriosa carreira.

A fama chegou ao conhecimento do presidente da República, Jair Bolsonaro, que o convidou para ministro da Justiça e Segurança. Aceitou o convite, praticando uma manobra arriscada, desprezando seus mais de vinte anos de magistratura. Vinha exercendo com discrição e critérios técnicos o novo ofício. Se conseguiu pouco foi porque o Congresso esvaziou seus projetos, nos quais constava a execução imediata do processo a partir do julgamento de primeiro grau, regra de ouro para a reforma do Judiciário.

Aqui houve um outro problema. O presidente afirma que Moro assumiu o cargo com a condição de ser indicado para ministro do Supremo. Moro nega. Como não podem existir duas verdades, a história nos contará um dia quem está mentindo, embora para ser ministro, Moro não precisasse de condições prévias ou ajustes vantajosos. Bastam sua vida e o currículo que possui. Como salientou ao deixar o cargo, “ não saí rico da política”, o que é um fato incomum no país em que vivemos.

Via-se pela sua postura que Moro exercia o cargo de ministro com certo constrangimento. Falava pouco, não se servia muito dos canais midiáticos e era sempre discreto. Estes atributos o recomendavam no exercício da função.

Agora que se abre a tampa dos segredos, surgem inéditos que precisam ser apurados, até mesmo para o bom nome do Brasil no mundo. Não podemos regredir à condição de república de bananas. Somos muito maior do que isso.

Moro nega assinatura no primeiro ato de demissão do chefe da PF. Então quem assinou por ele? Assinar o nome de outrem em documento público é ato abominável e criminoso. Quem fez isto?

Moro fez acusação grave, afirmando que Bolsonaro influenciava ou tentava influenciar no trabalho da PF. Então por que não citou os nomes que receberam tais influências e não tomou as medidas necessárias? 

Por outro lado, afirma-se que será requerido o impeachment de Bolsonaro. Não faltam argumentos para tanto. Também pode ser

enquadrado na Lei de Segurança Nacional, por participar de comício para derrubar a ordem legal constituída.
Dias sombrios nos esperam. O receio é que as instituições não resistam às tempestades e a barca afunde com todo mundo.

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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