O medo que impulsiona a violência

16/11/2020 às 21:09.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:04

Eduardo Masulo*

Quando falamos em medo, logo pensamos em um sentimento comum vivido por milhares de vítimas da violência. Porém, quero apresentar uma face do medo que está oculta, ignorada, mas ainda assim é um indutor da violência e alimenta um ciclo benéfico para o crime organizado.

O medo se tornou uma epidemia e o maior aliado das organizações criminosas da ‘cidade maravilhosa’ para expansão de seus negócios e territórios, pois, por meio dele, os mais vulneráveis se tornaram reféns de uma política do “não sei” ou “não conheço”.

Essas expressões são usadas em regiões que estão sob domínio de facções criminosas onde a lei do silêncio predomina, tornando-se obstáculos para a elucidação e prevenção de crimes. Cerca de 3,7 milhões cidadãos fluminenses vivem em territórios dominados por grupos paramilitares ou facções criminosas, segundo o convênio entre Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI) da UFF, o Datalab Fogo Cruzado, o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, a plataforma digital News e o Disque-Denúncia. Esse número representa 57,5% ou 1/3 da população do Rio de Janeiro, que está sob regras do poder paralelo, fator que contribui na escalada do medo.

Ao mesmo tempo, é fato que os criminosos da década de 80 corriam quando observavam a aproximação da famosa “joaninha”, como era chamado o Fusca da Polícia Militar e temiam a Patamo, veículo utilizado como força repressora da época. Hoje, entretanto, perderam o medo e enfrentam as Forças de Segurança Pública com estratégias e armamentos de alto poder de destruição.

Nos dias atuais, o poder paralelo impõe regras e limita o acesso em seus territórios, criando dificuldades para o policiamento ostensivo conhecido como “Caveirões”, que deixam de estar presente no cotidiano de muitas comunidades e permitem o ciclo do terror.

A falta de medo dos marginais, por outro lado, tem relação com a impunidade, haja vista que o Poder Judiciário, devido à superlotação dos presídios, tem adotado como medida alternativa a aplicação de tornozeleiras eletrônicas em condenados por crimes que não sejam contra a vida. Mas será essa a solução? É fato que os contemplados com tornozeleiras retornam para o crime e fortalecem um exército estimado em 56 mil criminosos distribuídos em mais de 1,5 mil comunidades cariocas, número superior ao efetivo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, segundo o Diário do Poder.

Pelo lado dos agentes de segurança, o medo faz parte de seus cotidianos, com riscos de efeitos colaterais ao acessar uma comunidade, como ficar refém dos traficantes, da mídia, do poder Judiciário em audiência de custódia, entre outros medos que os assombram.

Mas é fato que não podemos conviver com isso. O medo impede o nosso desenvolvimento, impulsiona a violência, paralisa pessoas de bem, trava ações de agentes de segurança e alimenta um ciclo do mal. Temos a obrigação de utilizar os canais de denúncia, que permitem o anonimato em razão da preservação da própria integridade para contribuir com o Poder Público em prol de dias melhores. Quando optamos em ficar calados, contribuímos inversamente para o aumento do mal.

* Consultor Sênior na ICTS Security, consultoria e gerenciamento de operações em segurança, de origem israelense

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