Pobre Pampulha

30/03/2016 às 21:48.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:42

Antônio Álvares da Silva (*)

O homem é o único animal que tem consciência do tempo em suas três dimensões: vive, sabe que viveu e que ainda[/TEXTO] viverá. Para que a vida não fique apenas na memória, cria monumentos ou preserva os que o passado lhe legou. O homem sem história é nau sem rumo. Não sabe de onde partiu nem para aonde vai.

A Igrejinha da Pampulha é um patrimônio simbólico de nossa cidade. Lembra o passado, embeleza o presente e nos faz pensar sempre numa nova Pampulha do futuro, com águas despoluídas e dedicada ao lazer de nossa gente.

Todos nós sentimo-nos agredidos com o pichamento da Igrejinha. A cidade foi golpeada, justamente agora, quando o complexo artístico da Pampulha se candidata a patrimônio histórico da humanidade e o poder público municipal anuncia para breve (já ouvimos isto diversas vezes) a despoluição do espelho d’água.

O fato merece algumas reflexões. Para proteger o patrimônio histórico (e, portanto, público) temos vários órgãos e siglas: Iphan, Iepha, prefeitura, PM, Guarda Municipal, Fundação Municipal de Cultura, Administração Regional. Estou citando apenas os principais. No entanto, a pichação provou que não há nenhum plano efetivo de defesa do patrimônio histórico de BH. Se houvesse, a Igrejinha não teria sido pichada.

Segundo a imprensa, o criminoso agiu com plena liberdade na madrugada e foi afugentado com gritos de passantes no local. Se não tivesse havido o fato, o estrago poderia ter sido pior. Um suspeito foi preso e confessou o crime. Por que não se atribui aos delegados a competência de determinar a prisão de réu confesso, caso entenda útil e necessária para a instrução do inquérito policial? Nossos policiais civis são plenamente capazes desta tarefa. Garantiríamos com isto a apuração plena e segura do fato, sem sobrecarregar o Judiciário, já abarrotado de processos, e poderia haver rápida condenação.

A Guarda Municipal tem 2.117 agentes. Será que um não pode dar plantão para proteger o local, principalmente quando se sabe que a PM também possui na região uma Companhia de Polícia? Por que não fazem um plano conjunto de policiamento de modo que, sem prejudicar outras atividades, fique sempre alguém zelando pelo patrimônio público? E a Administração Regional, o que está fazendo?

Outros órgãos, tais como Iepha, Iphan, Fundação Municipal de Cultura, embora não tenham poder de polícia, possuem competências e funções administrativas que, juntamente com órgãos já designados, planejariam estratégia de defesa eficiente do patrimônio cultural, que é também patrimônio público.

A restauração já está sendo feita. Mas há possibilidade de sequelas. Pode ser que nossa Igrejinha não volte nunca mais a ter a beleza que teve desde a fundação, em 1943. A perda será irreparável e manchará para sempre a história de nossa cidade.

Infelizmente, não há motivação na administração pública em suas três esferas, embora tenhamos servidores capazes que se perdem no meio da burocracia geral. Quem mora na Pampulha ou utiliza a orla para lazer e descanso sabe que há pichações por todos os lados. Vejam-se as placas de trânsito perto da Toca da Raposa. Era fácil prever que chegariam a outros bens públicos, mas nada foi feito para impedir.

Não é justo que percamos as belezas naturais e culturais que enfeitam, com tanta graça e elegância, nossa cidade. O povo precisa reagir. Não podemos ficar órfãos de nossa própria história.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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