Alexandre Braga*
A pandemia de Covid-19 (Sars-Cod-2) vai mortificando uma gigantesca parcela da humanidade, mas não de forma democrática, como poderiam pensar alguns. Ao contrário, com impactos absurdamente desumanos entre a população negra, nas Américas, Europa e África. Em parte por causa do racismo estrutural que ainda permeia as relações sociais, econômicas, afetivas e políticas em diversas nações do globo, mas, também, como resultado das opções governamentais ao longo dos séculos, em que o regime de escravidão foi substituído por regimes mais brandos de uso da força e da mão de obra ex-escravizada e sua inserção de modo desigual nas sociedades modernas. Inserção esta sem qualquer aporte humanitário ou assistencial.
Portanto, a exclusão dos povos negros do bem-estar social é anterior à Covid-19, e a tragédia provocada pelo vírus só tornou mais agudas situações que já eram de conhecimento da sociedade internacional, como a fome, a falta de saneamento básico e infraestrutura nas cidades e a prevalência de negros e negras em áreas geográficas desprovidas de requisitos mínimos para a sobrevivência humana: as periferias.
Hoje, com o adensamento do novo coronavírus, ficou evidente como tais corpos não suportam a enorme carga de agressões; 67% dos moradores de favelas já estão passando fome, outros 87% não terão dinheiro para comprar comida nos próximos meses no Brasil e em países como Estados Unidos e França, por exemplo, a grande maioria dos mortos pela Covid-19 é de pessoas negras, conforme dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). É aquilo que chamamos de genocídio, associado aos tempos tenebrosos de recrudescimento do ódio, do assédio sexual, do estupro e do extermínio da juventude negra. Pois, na lógica atual de modelo neoliberal, corpos negros e periféricos podem ser descartados através da necropolítica e da exclusão das pessoas negras do mundo do trabalho, dos serviços públicos e da convivência social.
Uma justificativa para essa análise real e séria dos impactos da Covid-19 entre a população negra é que aumentou e vem aumentando, sobremaneira, a massa de desempregadas e desempregados de origem étnica negra (preta e parda) no mundo. Quando conseguem emprego, negros ganham em média 50% a menos que brancos. Situação acirrada pelo aumento do trabalho informal e a chamada “uberização” da classe trabalhadora. Então, já encaminhando para pedir um basta a tanta exclusão e desigualdade, é urgente e necessário o engajamento de todas e todos numa ação antirracista, porque já não é suficiente ser apenas não racista. Mas como fazer isso? Primeiramente, aderir às diversas campanhas para arrecadar fundos e alimentos para centenas de milhares de famintos orgânicos. Em seguida, injetar políticas públicas de Estado em prol das maiorias, que, de fato, construíram as riquezas das nações desde que a humanidade saiu da Núbia rumo ao Norte. E seria bom já declarar como prioridade mundial a volta da felicidade nos próximos anos. Pois chega de mazelas e governos autoritários que, de certa forma, conseguiram avacalhar o avanço social. Depois dessa chicotada, não é possível que a sociedade internacional não tenha entendido nada da lição para preservar a espécie humana. Agora.
*Membro do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial de Belo Horizonte (COMPIR/BH)