Que mundo emergirá da “grande reclusão”?

29/05/2020 às 15:18.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:38

Murilo Rezende dos Santos*

 cultura ocidental não está se conformando em viver o presente e também não tem uma nítida previsão sobre o mundo pós-pandemia. Talvez isso seja apenas fruto do desejo de superar rapidamente este momento crítico.

Esse quadro faz brotar um certo exercício de futurologia. E cada um de nós se põe a imaginar como será o mundo pós-crise ou sobre qual mundo emergirá da crise.

A pandemia certamente deixará um grande trauma na humanidade. Tantas estão sendo as mortes e os sofrimentos, que jamais será possível esquecer esses dias terríveis.

De tudo, é possível desde logo concluir que doravante as pessoas terão uma maior preocupação com a higiene e o contágio de doenças em geral. E decorrência natural disso será a tendência ao desenvolvimento de mais tecnologias que dispensam o toque, como portas de empresas e escritórios que se abram por reconhecimento facial ou de íris, como ocorre com os smartphones mais modernos da Apple ou Samsung.

Nos prédios de acesso público, possivelmente os elevadores serão controlados por inteligência artificial que atenderão comandos de voz.

Na área de transportes, a Cabify anunciou nos últimos dias que pretende equipar seus carros com vidros separando motoristas e passageiros, revisitando o modelo de antigos táxis existentes em algumas cidades do mundo. E é provável que sejam agilizadas as automatizações de veículos, sendo os carros autônomos, com dispensa de motoristas.

O comércio certamente jamais será o mesmo. A pandemia promoveu uma radicalização das vendas digitais, obrigando pessoas que nunca haviam usado aplicativos de compras a colocá-los em atividade. Algumas delas continuarão fazendo uso desses aplicativos quando isso for conveniente; outras, provavelmente, nunca mais irão ao supermercado, optando por comprar tudo on-line.

É possível também que sejam desenvolvidos aparelhos domésticos para a esterilização de frutas, verduras e compras de supermercado por raios ultravioleta ou por outro meio rápido e fácil, dando segurança e praticidade aos consumidores.

No mundo corporativo, as empresas tiveram que iniciar ou aumentar os seus programas de home office de forma emergencial. E, ainda que com algumas dificuldades, a experiência parece estar dando certo, pois pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral e pela Grant Thornton, noticiada no jornal Estado de São Paulo de 17 de maio, aponta que pelo menos 54% das pessoas pretendem, se puderem, manter o home office depois da pandemia.

A mesma tendência à revolução ocorrerá na educação, em que provavelmente deve surgir um regime misto, semipresencial, que mescle aulas presenciais e atividades on-line, dando mais liberdade e autonomia aos alunos. A ótica será a de a educação ir até o aluno em vez de o aluno ir à educação.

Por sua vez, na indústria, a necessidade de distanciamento social deve levar ao aumento do uso da robotização, promovendo demissões de trabalhadores, mas gerando, por outro lado, a abertura de novos postos de trabalho em outras áreas, especialmente aquelas ligadas à tecnologia.

Até mesmo atividades tradicionais, como o exercício do Direito vêm se adaptando aos novos paradigmas. No estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça já está realizando audiências e sessões de julgamento por videoconferência e a tendência é que essas práticas sejam mantidas, pelo menos parcialmente, ao final da quarentena.

Na medicina, igualmente, o Conselho Federal de Medicina autorizou o atendimento a distância, denominado de telemedicina. Esse modelo deve ser mantido e é provável que se aperfeiçoe com o uso de máquinas que façam um check-up completo do paciente, munindo o médico de informações que possam diminuir as dificuldades que resultam da distância física que o separa do paciente.

Nos costumes, por fim, a tendência é que essa temporada trabalhando e vivendo em casa diminua ainda mais as formalidades nas vestimentas, já em grande parte atenuadas pela contemporaneidade e que a nova sociedade conviva com profissionais vestidos de forma mais confortável e com menos rigores. Isso, aliás, facilita os planos para transformar a bicicleta em meio de transporte popular, como é projeto de várias cidades do mundo.

Somado a tudo isso, as chamadas lives passarão a integrar a agenda de lazer das pessoas, transformando-se num fenômeno da nossa época e que provavelmente não irá desaparecer após o fim do isolamento social. Ao contrário, tudo indica devem se transformar em nova mídia para a apresentação dos artistas ao seu público.

Assim me parece que será um possível novo mundo que emergirá depois que se encerrar o que já se denominou de “a grande reclusão”, termo este histórico e que haverá de ser explorado e estudado nas aulas de história.

Enfim, a pandemia causou ruptura definitiva e a partir de agora teremos de rapidamente tentar construir o novo amanhã, no qual prevalecerão novos modelos de negócios e de vida. Como será esse novo amanhã? Impossível saber. Talvez seja como diz Kevin Kelly (Inevitável - As 12 forças tecnológicas que mudarão nosso mundo): “Essas forças são trajetórias, não destinos. Elas não nos dão maneiras de prever onde vamos acabar. Só informam que, no futuro próximo, inevitavelmente seguiremos essas direções”.

*É coordenador adjunto do Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.

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