Reflexões no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência

30/11/2021 às 19:20.
Atualizado em 08/12/2021 às 01:10

Maria da Conceição dos Santos*

No próximo 3 de dezembro celebra-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. A data foi estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1992, por meio da Resolução 47/3, com vistas a promover os direitos e bem-estar, além da participação dessa população na sociedade em todos os âmbitos: social, cultural, econômico e político. O momento nos convida a tomar a lente do Modelo Social da Deficiência e os princípios da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, assinado por mais de 180 países, para iluminar a compreensão do fenômeno da deficiência na complexidade e abrangência de suas dimensões, de modo a melhorar a comunicação daqueles que se debruçam sobre o tema da educação, da inclusão e dos direitos humanos.

Para tal reflexão, é fundamental compreender o tamanho dessa população. De acordo com a ONU, do total de 7 bilhões de pessoas no mundo, mais de 1 bilhão apresenta algum tipo de deficiência. Dessas, mais de 100 milhões são crianças. Nesse público, inclusive, há um alerta: crianças com deficiência têm quase quatro vezes mais probabilidade de sofrer violência do que aquelas sem deficiência. Ainda segundo as Nações Unidas, 80% de todas as pessoas com deficiência vivem em um país em desenvolvimento e 50% das pessoas com deficiência não podem pagar os cuidados de saúde.

Esses dados mostram a relevância da criação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, em 2006. Contudo, é importante destacar que avanços na compreensão da complexidade do fenômeno da deficiência são frutos dos Movimentos de Lutas das Pessoas com Deficiência, desde a década de 1970. Intensos debates na arena política e científica, internacional e nacionalmente originaram o Modelo Social da Deficiência. Esse modelo, inclusive, orientou filosoficamente a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

A Convenção instrui os atores institucionais, quer sejam do setor público ou privado, acerca das responsabilidades ao formularem políticas, serviços e produtos, e de que estas devem assegurar igualdade de acesso para todos os cidadãos sem discriminação, em igualdade de condições, provendo acessibilidade, apoios específicos e ajustes razoáveis em prol da equidade.

Se esse documento já representava tamanha importância, torna-se ainda maior no contexto da pandemia, com o escancaramento das iniquidades sociais, motivo pelo qual a ONU adotou, neste ano de 2021, o tema "Liderança e participação de pessoas com deficiência em um mundo inclusivo, acessível e sustentável pós-COVID-19".

Já são quase dois anos em que vivemos, mundialmente, intensas transformações em nossos cotidianos, decorrentes da pandemia da Covid-19. A crise sanitária global explicitou as fendas das desigualdades em todos os contextos de vida, de grupos e populações historicamente vulneráveis e excluídas, tal como as pessoas com deficiência. O distanciamento social, o conhecimento científico e a vacinação dos cidadãos têm sido as únicas estratégias eficientes de controle do vírus SARS-Cov-2.

Agora, o que nos mobiliza intensamente no contexto da educação superior, agudizadas pela pandemia, são as desigualdades e iniquidades sociais. Elas ficaram evidenciadas entre os estudantes no geral, e aqueles com deficiências em particular. Pode-se observar, assim, de maneira ainda mais contundente, os desafios da educação inclusiva e de acessibilidade na perspectiva da equidade em defesa do direito à educação das pessoas com deficiência previstos nas políticas institucionais.

A universidade, como instituição social, precisa continuamente se repensar para não reproduzir disputas de poder e processos de estigmatização e exclusão de grupos historicamente marginalizados, tal como as pessoas com deficiência. Desse modo, o desafio da inclusão exige de toda a comunidade acadêmica a sensibilização e reconhecimento da diversidade humana, rompendo com a perversa e histórica segregação social para assegurar o usufruto de bens materiais e culturais, frutos do acesso à educação.

Esse Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, portanto, nos alerta como cidadãos, sociedade e como instituição de ensino superior a constantemente desafiar concepções de viés medicalizante e/ou de tragédia pessoal sobre a deficiência, que impregnam historicamente as estruturas de poder e as relações sociais. É dever coletivo a adoção do paradigma da diversidade humana, onde a condição de deficiência é apenas mais uma das características do Humano, em defesa dos direitos e construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

* Professora adjunta do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão do campus Baixada Santista da Unifesp (NAI-BS)

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