Sejamos todos Ubuntu

03/12/2021 às 19:36.
Atualizado em 08/12/2021 às 01:12

Jéssica Torres

Originada no continente africano, a filosofia Ubuntu pode ser ilustrada pela definição “eu sou porque nós somos”. Traduz a ideia de que nós, seres humanos, estamos costurados por um tecido invisível, não daqueles no qual tudo se borda, como diria o grande Machado de Assis, mas um campo vibracional que transborda energia vital e cujas ações e consequências ecoam a todos.

Ao ser entrevistado sobre o assunto, o líder do movimento contra o Apartheid – legislação que segregava os negros no país, Nelson Mandela, revisitou o passado, precisamente tempos remotos em que um viajante atravessando o país era livre para parar em qualquer aldeia e dela receber alimento sem sequer pedi-lo. Tal acolhimento, segundo o ex-presidente sul-africano, marca a essência do Ubuntu.

Se para Saint-Exupéry “o essencial é invisível aos olhos”, para a maioria me parece ter de ser necessário ilustrar o sagrado, isto é, o respeito, a solidariedade e, principalmente, a empatia, derradeiros princípios da filosofia africana.

Atualmente vivemos uma pandemia do coronavírus, mas um vírus igualmente letal é o egoísmo cujo principal sintoma é a incapacidade de se colocar no lugar do outro. Trending Topics na rede social chamada vida, o egoísmo e o individualismo são responsáveis pelo apego excessivo aos próprios interesses, desejos e pontos de vista.

O alarde procede: um estudo publicado pelo periódico científico Nature Communications, em 2012, concluiu que se todos preferissem realizar ações egoístas, os seres humanos poderiam ter sido extintos. Isto porque agir de má fé pode gerar vantagem a curto prazo, mas não são os humanos que devem sobreviver a longo, são seus genes. Para tanto, os organismos devem cooperar entre si.

Pecando em estimular o binarismo, não seria a empatia o antídoto para o egoísmo? Ao contrário do que se pensa, empatia não é a mera ação de ser bondoso ou de ter compaixão com o outro, mas a arte de, por meio da imaginação, compreender perspectivas e sentimentos alheios para direcionar suas próprias ações. É a habilidade em pisar com os sapatos de outra pessoa.

Em 1970, a designer de produtos Patricia Moore ficou famosa por realizar um experimento no qual se transformou em uma senhora de 85 anos, fazendo uma verdadeira imersão, utilizando serviços, produtos e espaços para a idade que fingia ter. Com o seu “modelo empático”, inspirou designers a compreenderem que o tamanho único não serve para todos.

Ao longo do tempo, estudiosos cunharam alguns hábitos que favorecem o desenvolvimento da empatia. São eles: cultivar a curiosidade insaciável e escuta ativa sobre desconhecidos se deparando com visões de mundo e vidas diferentes das nossas; reconhecer a humanidade e as perspectivas do próximo colocando-se no lugar, inclusive, de nossos desafetos, além de desafiar seus próprios preconceitos e buscar semelhanças com as pessoas, considerando suas individualidades como instrumentos de crescimento e evolução.

O expoente da poesia metafísica, John Donne, bem disse há séculos que “nenhum homem é uma ilha”. Nesse sentido, a ética Ubuntu ensina a importância de construir-se coletivamente compreendendo que somos uma só alma composta por quase oito bilhões de corpos. Meu desejo para 2022 é que sejamos radicais, que possamos pular de paraquedas nas existências alheias. Que calcemos os sapatos velhos do Roupa Nova para nos aventurarmos por jornadas desconhecidas. Saia de si e mergulhe no próximo.

Jornalista e especialista em Comunicação e Saúde

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