Um mini Estado de exceção

28/02/2020 às 20:29.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:47

Henrique José da Silva Souza*

A pecha de dizer que o ano só começa depois do Carnaval disfarça um desejo bestial que nossa sociedade carrega e de certa forma libera durante tão aclamado feriado. Contudo, o ponto a ser levantado aqui, é como o Estado, garantidor da liberdade e dos direitos de todos se prepara e se comporta diante da inevitável comemoração.

Começo pela questão da locomoção pela cidade e pelas regras de trânsito. Sou morador da região limítrofe entre o centro e o bairro de Lourdes, e ali, por mais que o art. 95 do Código Brasileiro deTtrânsito tenha sido cumprido no tocante à interdição das vias, o restante das regras foi praticamente rasgado. Os carros de aplicativo de transporte que usualmente já não se importam muito com as normas, especialmente a questão de estacionamento irregular e fila dupla, se comportaram como se não houvesse amanhã, invadindo as vias reservadas para trânsito local, atravessando bloqueios pelo canteiro central e até mesmo pela calçada, e muitas vezes, autorizados pelos agentes de trânsito presentes em alguns pontos.

Outra questão foi a circulação dos veículos dos moradores das vias interditadas, que ao tentar sair de casa, em alguns pontos, como a av. João Pinheiro, se deparavam com hordas de foliões em concentrações acéfalas de um bloco devidamente registrado e que impediam que portões de garagens (inundadas de amônia e ureia, a despeito dos banheiros químicos espalhados pela cidade) fossem abertos e até mesmo que os veículos trafegassem sem uma chuva de bebida e diversos golpes contra os mesmos. 

Vejam, a questão aqui não é tentar impedir que a folia aconteça, como o próprio Poder Público tentou fazer no caso de alguns blocos em BH, mas sim de que seja garantido o direito de ir e vir daqueles que ficaram ilhados sem escolha.

Os vendedores ambulantes caracterizaram um outro grave problema. Por mais que milhares tenham sido devidamente registrados diante da Prefeitura, várias questões podem ser levantadas, e a primeira delas é a venda de bebidas para menores de idade. Não sejamos coniventes, essa foi uma regra transgredida sem nenhum tipo de pudor, em todos os pontos da cidade, colocando crianças a mercê do abuso precoce do álcool. O monopólio da venda de uma única marca, ainda por cima precificada, é outro problema gritante. Se a festa fosse num local privado, não haveria discussão, mas a proibição da venda nas ruas é um absurdo, a cidade é de todos, que tem a liberdade de escolher o que consumirão. Isso sem contar que os estabelecimentos comerciais que abriram no período deram de ombros para a exclusividade.

Por fim, relato o medo da destruição do patrimônio público e privado. Diversas praças e portarias de prédios foram fechadas com grades, tapumes colocados em incontáveis bancos, impedindo ou dificultando o acesso daqueles que desejavam levar a vida como sempre.

Fica a reflexão, no Carnaval decretamos um mini Estado de exceção?

*Doutorando e mestre em Direito e Cientista do Estado pela UFMG

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