Vidas indígenas importam

24/06/2021 às 16:58.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:15

Andreia Bonifácio*

Indígenas de diferentes povos estão em Brasília, desde o início de junho, em defesa de seus direitos constitucionais e contra propostas legislativas anti-indígenas, como o projeto de lei (PL) 490/ 2007, em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposição legaliza empreendimentos em áreas reservadas, permitindo a retirada da posse de terras dos índios e dificultando demarcações de novas áreas. Além desse PL, outras propostas anti-indígenas estão em pauta no Congresso, representando uma ameaça aos índios e ao meio ambiente. A bancada ruralista encontrou na pandemia um momento propício para “passar a boiada”, aumentando os conflitos e a violência em solo indígena.     

A Constituição Federal de 1988 representou um avanço importante aos direitos e interesses indígenas, assegurando um capítulo (“Dos Índios” – Artigos 231 e 232), exclusivamente ao reconhecimento de sua organização social, costumes, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, ou seja, estabeleceu a prerrogativa da posse territorial habitada pelos índios. O conceito de direito originário (“teoria do indigenato”) existia desde o século XVII, quando a Coroa Portuguesa editou diplomas legais para consolidar os direitos territoriais indígenas, como o Alvará Régio de 1680. A Constituição reafirmou que a posse da terra indígena é anterior à formação do próprio Estado, independentemente de qualquer reconhecimento oficial.

O PL 490/ 2007 refuta essa teoria e adota a tese do “marco temporal”, pelo qual somente teriam direito à terra aqueles povos indígenas que estivessem em sua posse na data da promulgação da Constituição, ou seja, 5 de outubro de 1988 – ou que estivessem em disputa judicial ou conflito direto com invasores nessa data. Além disso, a proposição permite a instalação de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos em áreas reservadas sem consulta prévia às comunidades diretamente atingidas, podendo, inclusive, legalizar garimpos. 

O tema é tão importante que será um dos assuntos debatidos no “Curso de Atualização em: Direitos, Cultura e História dos Povos Indígenas”, realizado pelo IBNCE, on-line e ao vivo, começando no dia 5 de julho. A proposição foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e segue para o Plenário da Câmara do Deputados.

Uma esperança para os índios é o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE) que trata da demarcação da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, previsto para o dia 30 de junho. O caso ganhou “repercussão geral” reconhecido pela Corte, ou seja, a decisão tomada neste processo servirá como diretriz para a gestão federal e demais ações judiciais envolvendo demarcação de terras indígenas em todo país, além de balizar propostas legislativas, como o PL 490/ 2007. 

Cerca de 850 indígenas de 45 povos de todas as regiões do país participam dessa mobilização na capital federal, na esperança que seus direitos sejam assegurados pela Justiça e pelos políticos brasileiros. Eles pedem aos ministros do STF a reafirmação de suas garantias legais estabelecidas na Constituição e o fim definitivo da tese do “marco temporal”. Já para o Congresso, eles cobram o arquivamento das proposições anti-indígenas. É necessária uma consciência de que a vida dos índios também é importante para a nação brasileira.

*Professora e Mestre em Direito Ambiental e diretora acadêmica do IBNCE 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por