Nossos artistas cantam o que cantaram em 1969

09/09/2016 às 18:49.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:45
 (Arquivo Hoje em Dia Imovision)

(Arquivo Hoje em Dia Imovision)

Chacrinha, definitivamente, balançava a pança – controversa figura, o danado conseguiu inventar um jeito de fazer TV que escrachava o lar do brasileiro. Era 1969 e Gilberto Gil lançava aquele abraço ao Rio de Janeiro e a todo o povo brasileiro. Simonal, muito antes dos bailes, vivia no país bonito por natureza, o país tropical. Na política, a ditadura militar cercava a cena cultural de cabo a rabo procurando sarna para se coçar – e lombo pra açoitar. “Nada como uma repressãozinha pra coisa funcionar”, diziam alguns. 1969 ferveu, e a cultura brasileira agradece até hoje, embora entristecida. 

Era um país colorido de porões escuros. A praia continuava cheia, Leila Diniz lá foi para exibir a barriga de grávida vestida de biquíni, Caetano Veloso se reunia com Gil, Gal, Bethânia, de repente surgem Rita Lee, Elis, juntos na caminhada seguem Belchior, Chico, Nara, tantos, tantos outros, aqui, lá, no exílio, no porão, ou no medo, tantos que usaram da expressão, da força, da voz, do grito silenciado para fazer valer uma nuvem que fazia chover naquele país colorido de propaganda mentirosa. Não é de se espantar que valha isso de argumento a muitos que hoje defendem um governo repressivo. “Olha essa foto da praia, alguém triste aí? Plena ditadura!”, dizem. 

Durante este período negro em que nossos artistas conseguiram lutar com a força da voz, aquela força estranha, com a força da expressão no palco, com letras enganavam aqueles espertalhões da repressão, o Brasil conquistou hinos e fabricou heróis. Mesmo distante da dimensão da escuridão na qual a nação mergulhava, foi através destes hinos que a população se alertou para um espírito maior que a moral e a civilidade, havia algo de podre ali, e estava doendo.

Na televisão, Chacrinha continuava balançando a pança, todo colorido, todo feliz, congregando todos, independentemente de qualquer coisa que tivesse sentido sectarista. As novelas já dominavam as (pessoas) emissoras, e a imprensa, quase faço um mea culpa aqui, vendia um país em que queremos morar até hoje, fosse o caso. Nas ruas, os jovens lutavam em um idealismo bonito, combalidos, no entanto, pela família com Deus. Terroristas sanguinários, muitos só buscavam mesmo um pouco de sombra naquela felicidade toda que o sol da Guanabara e os altos índices do governo vendiam. 

Mas aí, veja só você, de um modo quase igual, cá estamos nós. 2016, Gil ainda está por aí a distribuir abraços (em shows caríssimos), Caetano longe do exílio é artista consagrado. Leila Diniz já se foi, Rita Lee aposentou, Elis Regina foi brincar de outra coisa por outros lados, Chacrinha continua balançando a pança nesta nossa televisão, e o cenário político vive um período negro que tenta se passar por uma terra ensolarada onde nós queremos, novamente, morar – fosse verdade, é claro. Os hinos de outrora são os mesmos de hoje, nossos artistas, bravos resistentes, cantam o que cantaram. A luta parece ser a mesma, só não é armada. 

Ver um governo legítimo (vamos deixar de lado a qualidade? Essa discussão é outra, camarada, e nós podemos chegar a um acordo) cair para atender os delírios de poder de alguns, sob pretextos de combater o bom combate, é o mesmo que enxergar aquela ameaça comunista ditatorial que nunca existiu de fato e tomar o país de assalto.

Estão, aos poucos, reformulando a propaganda. Até poucos dias o Brasil era uma pátria sem esperança, tomada pela corrupção, governado por uma desequilibrada (assim a definiram), que nada fez para nos ajudar, e sim tudo para nos afundar. Agora, acalmem-se, queridos. Podem até ir à praia grávidos e de biquini. Podem ir à praia. Podem se matricular no colégio da boa moral. O país, veja só, foi vendido à propaganda. E nossos hinos, torçamos, serão novamente entoados. Que venham novos. Que sejamos os novos.

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