Futebol, rock e espírito de manada

20/11/2018 às 21:03.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:55

Belo Horizonte teve, no início deste mês, uma das suas melhores semanas em termos de apresentações musicais na história. De quinta a domingo: Built to Spill – graças à galera competente, antenada, da “Quente”, que de quebra ainda nos brindou com a volta do inesquecível Câmera –, Lô Borges, Noel Gallagher e Silva. Antes do show do gênio britânico na nossa cidade, escrevi sobre os fortes laços que ele possui com o futebol. E se, naquela coluna, falei que os fãs do artista usualmente trazem às suas performances uma atmosfera de estádio, na prática, o público mineiro não deixou por menos: a Galoasis, após o concerto excepcional, fez a arena com nome esquisito parecer o Independência, o Mineirão; uma prova inequívoca dos elos que o esporte bretão e o rock podem ter – às vezes, tão poderosos quanto intangíveis.

Há no Brasil uma tradição de um falso discurso cordial, algo perpetrado por uma espécie de humanismo dissimulado, que vigora fartamente nas entrevistas dos personagens do futebol. Aquela modéstia fabricada, um tipo de culto ao medíocre inconsciente de si... Lembra o espírito de rebanho desnudado por Nietzsche. Pois então: é justamente este traço da nossa cultura que, para mim, se mostra um dos principais responsáveis pela compreensão equivocada da qual comumente o Oasis é vítima por nossas terras. Nosso meio artístico mainstream, assim como o mundo dos nossos esportes, via de regra, costuma ser palco para platitudes, declarações protocolares sem fim – a não ser o instinto de preservação, um medo patológico da “polêmica”. Na Inglaterra, é bem diferente: a decantada “arrogância” dos Gallaghers nunca foi exatamente um pioneirismo: membros do Stone Roses, de The Kinks, The Who; Paul Weller, Morrissey, Johnny Marr, Richard Ashcroft, todos estes sempre apresentaram personas públicas capazes de ressaltar méritos próprios e de comportamentos não tão “bonitinhos” assim com jornalistas. A lista de exemplos poderia continuar eternamente. Até Freddie Mercury, conforme atesta o filme sobre sua trajetória em cartaz no país, a seu modo, se enquadraria neste grupo.

George Best, Cantona (eu sei, francês, mas...), Paul Gascoine, Brian Clough: o futebol do Reino Unido já teve sua cota de protagonistas que carregavam, digamos, genuína alma roqueira em diversas acepções – na seara ali assinalada, sobretudo; como parte de uma estirpe típica da Cool Britannia. Hoje, com a modalidade tomada de vez por um espírito bem mais claro de mercantilismo, globalização, pasteurização; na era dos assessores que programam cada passo de suas estrelas, da profissionalização do instinto de manada, do pânico de um escorregão nas redes sociais, nem tanto. No futebol tupiniquim, então... Não à toa o novo técnico do São Paulo, André Jardine, tem sido criticado por muitos jornalistas por revelar o que chamam de “excesso de confiança”, sem ter dito, no fundo, nada demais – basta soltar algo que ressoe remotamente como uma exposição de algo positivo em si mesmo.

Liam Gallagher provavelmente é o melhor frontman de todos os tempos. Sem “fazer nada”, sua aptidão para hipnotizar é indescritível. A rádio inglesa XFM, em 2012, fez uma famosa pesquisa sobre o tópico. Liam ganhou na votação do público – com Freddie Mercury em segundo. No Brasil, a maioria dos que têm acesso às exibições de Liam não as entendem. Não captam, não exibem a sensibilidade mínima para apreender seu magnetismo. Isso passa pela dificuldade de associar carisma a algo que não seja “agitado demais”, a alguém que, sei lá, fique pulando pra todo lado e bajulando a audiência incessantemente. Na Copa do Mundo da Rússia, saindo do estádio após a vitória do Brasil contra a Costa Rica em São Petersburgo, eu e o amigo Ênio Guedes – que estava com uma blusa da seleção – fomos abordados por alguns conterrâneos que nos cobravam para “ficarmos felizes” – leia-se, mover-se freneticamente como um idiota...

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