Kobe, Federer e a grande beleza

28/01/2020 às 20:15.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:27

Em sua obra-prima “A Grande Beleza”, Paolo Sorrentino troça dos cacoetes, das afetações, da superficialidade comuns em certos nichos da arte contemporânea – venerada em festas, vernissages lotadas de gente que, muito mais do que contemplar as obras, quer ver quem integra as patotas e sobretudo ser vista. Na mesma medida em que ironizava esse mundo fútil de uma Roma decadente, o dândi Jep Gambardella – figura que poderia ter saído tanto de um filme de Fellini, quanto do ótimo “O dia Mastroianni”, de João Paulo Cuenca – exalava nostalgia pelos tempos do verdadeiro esplendor artístico: Caravaggio, Tintoretto, Ticiano... Curioso: apesar das críticas à atualidade, saímos do cinema com uma vontade incontrolável de ir à capital italiana, genuína protagonista da história – por mais que o trabalho de Toni Servillo tenha sido basicamente perfeito, extremamente cativante. Efeito similar fora transmitido aos espectadores por Woody Allen em “Vicky Cristina Barcelona”: beira o impossível assistir à ode do americano à cidade símbolo da Catalunha e não ficar maluco por visitá-la.

O esporte, talvez também por ser completamente cercado por reações tão estúpidas de boa parte do seu público – o futebol, especialmente, é campeão nisso –, apesar de aqui e ali ainda acabar relacionado, de algum modo, à arte, invariavelmente termina desprezado, tratado como algo menor intelectualmente, inferior no que se refere à sensibilidade, a diversos tipos de refinamento. O gênio David Foster Wallace, no artigo “Federer como experiência religiosa” – traduzido com precisão ímpar por um dos nossos melhores escritores, Daniel Galera –, relata com maestria como o jogo do suíço, para quem sabe apreciá-lo, nos leva a uma espécie de vivência transcendental, metafísica; quase mística. Schopenhauer diria que, num dia bom, vá lá, numa final de Wimbledon como a descrita no mencionado texto – a de 2006, diante de Nadal –, ou a disputada no ano passado, contra Djokovic – talvez a derrota mais dolorosa da carreira do rei da Basíleia –, Federer seria capaz de desligar, ainda que por algumas poucas horas, nossa vontade, nos colocando num estado único, num outro universo. Não tenho dúvidas: hoje, contando todas as modalidades, não há nada mais belo no esporte do que ver Federer jogando tênis. E não importa se ele ganha ou não – uma das nuances mais interessantes do artigo de Wallace é que ele escreve páginas e páginas sobre uma partida sem contar o seu resultado. Afinal, realmente, no fundo, às vezes não importa.          

Esqueçam os números. Acima deles, quando falamos de Kobe Bryant, estamos aludindo a um cara que, com seus movimentos, seu jeito de atuar, espargia um magnetismo capaz de atingir nossos inconscientes. Era a beleza, a poesia do corpo, não dita, no seu mais puro estado. Michael Jordan, o melhor de todos, transmitia essa perfeição. O jump shot, a mecânica do arremesso de ambos, nos sugava para o basquete, nos fazia querer imitá-los. E isso se mostra tão raro quanto mais precioso do que qualquer estatística...

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