Neymar, ambição e individualismo

15/08/2017 às 18:30.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:05

Dentro da total overdose de cobertura do “caso Neymar” nas últimas semanas, um dos vieses de análise mais constantes que vi na imprensa passou pelo seguinte: a escolha do jogador por trocar um lugar onde potencialmente sua perspectiva coletiva era mais promissora, por outro no qual seu protagonismo absoluto propiciaria facilidades para um brilho individual, denotaria uma espécie de egoísmo, de egocentrismo; seria sintoma de um tipo de inversão de valores comum na nossa época. Grosso modo: entre a chance de marcar com uma mesma camisa, pela identidade, pela fidelidade; de ser lembrado como integrante de um trio histórico ainda mais consolidado, icônico, e a oportunidade de, em teoria, aumentar as possibilidade de vitória em prêmios pessoais, o atleta optou pelo segundo caminho. Várias conquistas da Champions League, ou a badalada Bola de Ouro da FIFA – que, na sombra de Messi, estaria mais distante? Esta seria a pergunta que resumiria o dilema contido nas apreciações mencionadas. E eu discordo destas interpretações. Sobretudo do caráter pejorativo nelas embutido.


As exigências do chamado futebol moderno, tática e fisicamente, inviabilizavam, em diversos sentidos, em searas tão sutis quanto decisivas, que Neymar e Messi atuassem, juntos, numa fruição total de seus talentos. Quase flanando em campo. Com liberdade total. Inclusive pela presença também de Suárez. No momento defensivo, hoje, costuma ser quase inviável uma marcação com menos de oito homens atrás da linha da bola. Considerando que o centroavante, pela natureza do seu ofício, naturalmente já tem garantida uma das vagas de peças com menor obrigação de recompor, sobraria somente um posto. E as duas principais estrelas do Barça até a temporada passada brigariam por ele. Messi, por motivos óbvios, pela mais pura meritocracia, por serviços prestados, por direitos legitimamente adquiridos, era o dono dessa primazia. Logo, se sem a posse o gênio argentino e Suárez sobravam mais no ataque, em alguma medida, Neymar precisava contribuir.    


Na fase ofensiva do jogo, tendo em vista a busca por um padrão mínimo de organização, não se mostra em geral recomendável que todos os integrantes de um ataque tenham um nível de liberdade avassalador. Também nesta acepção, e também com total justiça, quem ganhava a prerrogativa de circular mais, digamos, ao bel-prazer, era Messi. Enquanto Neymar não podia abandonar com tanta frequência a faixa esquerda para construir pelo centro, flutuar em busca dos melhores espaços, a “pulga” era vários em um só: ponta direita que corta com a canhota para dentro; armador clássico, camisa 10 de manual; segundo atacante que entra na área seguindo os instintos; “falso 9” que se infiltrava e/ou fazia o facão trocando de labor com “Luisito”; e, por fim, aquele ponta de lança, o enganche agudo, vertical que encontra o vazio entre volantes e zagueiros para destruir com o adversário.     


Por mais que Neymar seja um talento monstruoso, “roubar” todos os justos “privilégios” de Messi listados, seria inviável – pelo menos por ora; fazendo projeções, não me parece claramente provável que, num prazo suficientemente curto, o cenário mudaria. Somando todos esses elementos, o estilo de jogo de Neymar, seu potencial, suas possibilidades, os patamares que ele pode atingir com o ganho de uma liberdade consideravelmente superior, penso que, para ser o melhor que ele pode ser, a melhor versão de si mesmo, para se desenvolver na plenitude, a troca foi uma boa. E procurar esses objetivos, em si, nada tem de condenável, não configura qualquer individualismo exacerbado/pejorativo. Aqui, a priori, inicialmente, estamos muito mais próximos de outro tipo de ambição: aquela que – entre outras características – se opõe, por determinados prismas, à acomodação – que, em si, também não seria problema.

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