Neymar e os defeitos epidêmicos

10/07/2018 às 21:16.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:20

Todo o interminável e quase sempre chatíssimo falatório sobre Neymar, como não poderia deixar de ser, tem se provado repleto de bobagens, falsas verdades; “narrativas”, “explicações” com aura redentora, supostamente capazes de esgotar o tópico. Num dos infinitos vídeos de pessoas abordando o tema mundo afora, um torcedor inglês declara, com ar de altíssima ponderação, que nossa estrela maior dá uma “má reputação” ao país; que os outros jogadores brasileiros não recorrem a simulações e artifícios do gênero. Sério? Ele já viu cinco minutos, que seja, do nosso Nacional? Que tal mandarmos para ele o gol de mão de Jô no último título do Corinthians, acompanhado de um DVD com as surreais opiniões, os cínicos depoimentos acerca do episódio? E se falarmos de quando Rodrigo Caio decidiu ser honesto e por isso foi criticado, inclusive, por muitos jornalistas? Nem por um segundo estou defendendo o “menino Ney”; discordo de inúmeras facetas de sua conduta; simplesmente não é verdade, contudo, que “só ele” dá uma imagem adversa ao futebol tupiniquim; que esta seria uma idiossincrasia dele; a falsidade, o “vencer a qualquer preço”, todo tipo de mesquinharia está completamente enraizada na cultura do nosso esporte bretão nos mínimos detalhes. E acrescentemos: isto está longe de ser um privilégio do Brasil. É um problema comum à modalidade, em si – há alguns lugares, nesta área, nos quais tal fenômeno é menos grave; outros em que vige de forma similar à das nossas fronteiras.

Outra mania que se espalha é a de fantasiar/idealizar o passado e entrelaçar traços de conduta de modo extremamente determinista. Por exemplo: o fato de Neymar ser um ator nato – embora de péssima qualidade; “Malhação”, não Daniel Day-Lewis – frequentemente acaba relacionado ao seu status de popstar, “garoto propaganda”; daí para o “futebol Nutella”, o “hoje só importa o dinheiro, o marketing”, é menos de um passo. Nesta esteira, gostam de citar como referências opostas atletas que eram arquétipos de “discrição”, de “anti-marketing”; caras que, também na seara “cai-cai”, teoricamente seriam diferentes de Neymar. Rivaldo: “jogador raiz”; “injustiçado”; “craque que só não foi mais valorizado porque era alheio aos holofotes”. Em certa medida, ok. Daí a fazer as associações livres – na linha descrita – que têm sido comuns, nos últimos tempos, vai um oceano de distância. Não me recordo de simulação mais ridícula, mais “vergonha alheia” do que a de Rivaldo em 2002, contra a Turquia. Nem Neymar, até hoje, conquistou semelhante feito. Se Daniel Day-Lewis sempre ganha o Oscar, o Framboesa de Ouro vai para Rivaldo. Talvez Neymar venha a receber um pelo “conjunto da obra”...

Neymar exala frescura, o anti-intelectual, falta de personalidade – em algumas acepções; algo Kitsch, barango; é produto e sintoma de um futebol que, sim, muitas vezes dá preguiça. Suas entrevistas são paupérrimas. Nem uma fusão da KGB com a CIA, uma união de Jô Soares com Marília Gabriela parecem suficientes para algo dele extrair. A coisa do visual, do cabelo, da preocupação com estes aspectos, claro, ultrapassa diversos excessos. Mas tudo isso – e o que vou dizer não isenta, não justifica – apresenta-se como algo muito mais comum no esporte atual – não só no futebol, não apenas no Brasil – do que imensa fatia dos torcedores/comentaristas de ocasião, típicos de Copas, dão a entender em seus julgamentos do “menino Ney”.

Quando Morrissey apareceu diante da seleção inglesa, em 2014, num hotel em Miami, só Leighton Baines – uma espécie rara de jogador indie, Mod; amigo de Miles Kane – e Gary Neville – entranhado na cultura de Manchester, contaminado pela relação do United com o Stone Roses (talvez por osmose, “obrigação”) – o reconheceram. Parece que não tem a ver. Mas tem...

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