O médico, a doença e o diagnóstico

21/11/2017 às 20:06.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:49

Entre as incontáveis ideias tão originais quanto brilhantes com as quais Tostão nos brindou ao longo de sua consolidada carreira de cronista, eis uma que me acomete o tempo todo: o Brasil pecou por, sobretudo a partir da década de 90, dividir de forma muito amarrada o setor de meio-campo. Volante ou armador. Um ou outro. E os meio-campistas? Sem espaço. Paramos de fabricar.

Este pensamento me vem frequentemente porque ele se prova verdadeiro em diferentes fenômenos. À exceção do Grêmio em determinado período considerável, não tivemos na temporada do futebol nacional sequer uma equipe capaz de propor o jogo com qualidade. Consistência. Assiduidade. Cansamos de testemunhar times estrelados, donos de orçamentos estratosféricos penando, despidos de repertório, diante de pequenos abnegados. A famigerada dificuldade para furar retrancas, quase um mantra, uma muleta oficial para professores de variados perfis, segue firme e forte. Tudo isso passa pela sacada que Tostão teve anos-luz à frente de nós mortais.

Quase todos os nossos times atuam no 4-2-3-1. Pelo centro, dois volantes e um homem de ligação. Se os dois primeiros preocupam-se basicamente em marcar – e mesmo quando “saem para o jogo” com recorrência, o fazem sem que suas participações se tornem minimamente sofisticadas em termos táticos e/ou similares à de um organizador nato –, todo o trabalho de criação sobra para uma só figura. Óbvio ululante: fica, em geral, mais fácil para o oponente marcar. Ademais, pelo modo “quadrado” com que as funções do meio andam sendo distribuídas, quase sempre no Brasil existe um latifúndio entre os volantes e o armador. E tem gente que ainda pergunta o motivo para tantos chutões...

No duelo contra a Inglaterra na semana passada, a seleção de Tite pouco construiu. Os britânicos – completamente desfalcados – se fechavam, sem a bola, com uma organizada linha de cinco na defesa. Dá para dizer, sim, que o Brasil sentiu falta de meio-campistas da linhagem a qual aqui me refiro, aludindo ao mestre Tostão. Quando você possui duas peças deste tipo à frente de um só volante, e se ambas flutuam – com consciência, inteligência, liberdade – sobretudo entre o centro do campo e a área inimiga, sem amarras, sua chance de romper ferrolhos aumenta exponencialmente. Paulinho não é exatamente este cara – no momento ofensivo funciona principalmente surgindo já bastante adiantado, não como um “controlador de meio-campo”, não como um maestro. Renato Augusto é inteligente taticamente, mas carece da dinâmica necessária para executar o labor neste texto exaltado.

Com folga, uma disparidade descomunal, o melhor exemplo atual para espelhar o que estou dizendo se encontra no meio-campo do Manchester City. Guardiola, claro. A completude dos papéis exercidos por De Bruyne e David Silva parece advir de outro esporte – se o objeto de comparação for o que observamos nos nossos gramados. “Ah, mas aí você tá pegando pesado! Olha o nível dos jogadores, outra realidade...”. Beleza, ok. Mas não é só isso. Cultura tática, trabalho histórico na base, requinte intelectual dos treinadores – nisso Guardiola é único; mesmo dentro de uma perspectiva mais realista, contudo, a qualidade dos “professores” tupiniquins têm se mostrado baixa nesta seara...

Por muito tempo falou-se, com razão – e isso ainda se diz, o defeito persiste, embora tenha em certo sentido diminuído –, que no Brasil quase não se jogava com compactação. Diante da Inglaterra, para muitos, o principal problema foi falta de amplitude – esta falha, de fato, aconteceu. É bom dizer que, ao contrário do que muito se imagina, esta última e o jogo aproximado, agrupado, não se excluem. Penso num “efeito sanfona” e no atacar com muita gente – adaptando a marcação, o bote na perda da posse para dirimir a vulnerabilidade. Sobre isso, mais em breve...  

  

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