Rei Midas?

19/09/2016 às 20:23.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:54

Quando, no futebol brasileiro, o sujeito entra numa espiral de resultados favoráveis... Benza Deus! A chance de acabar intocável, de os merecidos elogios virarem exagerados superlativos, é enorme. Afinal, a mania de superestimar, de reduzir, idolatrar, querer encontrar respostas fáceis, definições de simples digestão, é especialidade da casa. Raciocínio análogo vale no que se refere ao hábito de procurar bodes expiatórios; de condenar peremptória, definitivamente; de transformar alguns defeitos em inépcia total.

No nosso cenário de técnicos, há muito não se via uma unanimidade tão absoluta como aquela que reina em torno do nome de Tite. Em grandíssima medida, justa. De fato, o gaúcho é, com folga, o maioral do país em sua função. Sem dúvida, se mostra como o melhor nome tupiniquim para comandar nossa seleção; como um sujeito totalmente adequado, à altura do cargo. Ainda que com atraso gigantesco, e depois de erros grotescos, a meritocracia foi premiada com a chegada de Tite à CBF. Mas daí a tornar-se perfeito, incólume a qualquer possível e imaginável questionamento/crítica/discordância, inoxidável, acima do bem e do mal... O ponto principal é: não se trata nem de defender que o professor faça jus a reprimendas sólidas, graves, levando-se em conta o que realizou no nosso escrete até agora; a aceitação sempre a priori, o aplauso que independe da análise, da reflexão; a perda do contraditório, do próprio debate, em si, tem ocorrido além do que deveria. Afinal, qualquer coisa que o sujeito produz, decide é, para muitos, uma ordem divina, uma espécie de acerto tácito; simplesmente engolido automaticamente; sem mastigação, ruminação. Como se o cérebro tivesse entrado em estado de osmose, piloto automático. Permanecesse tirando um cochilo. “Com o Tite aí, posso descansar. Ele pensa por mim...”.

A evolução prática, em termos de conjunto, organização, aconteceu – pior que estava, também... O saldo desses dois primeiros jogos da era do nosso rei foi positivo não só em termos de resultado – embora também os méritos no que tange ao rendimento tenham sido desproporcionalmente louvados por muitos. Portanto, como a coisa funcionou, coletivamente, reconheço que é preciso dar um passo atrás, ter cuidado com o tom, a maneira de realizar algumas reflexões. O que aconteceu diante de Equador e Colômbia não há de ser descartado, não pode ser descontextualizado de determinadas análises. Entretanto, o fato de termos ido bem nesses cotejos não deve simplesmente inviabilizar, calar, necessariamente, qualquer discussão.

Atuar com Paulinho e Renato Augusto como peças centrais à frente de Casemiro no 4-1-4-1 da amarelinha segue me parecendo inadequado. Longe do ideal. Pobre, burocrático – tendo em vista o que temos à nossa disposição. A formação neste setor, hoje, que mais tende a me agradar reuniria Philippe Coutinho e Fernandinho. Existe no Brasil uma disposição em certos debates táticos de achar que armadores mais agudos, claramente ofensivos – como o mencionado atleta do Liverpool – não podem preencher o centro da segunda linha de quatro dentro do sistema em exame – nem ao lado de um parceiro mais “comportado”. Balela. Entre incontáveis exemplos possíveis para desmistificar esta tese encontramos o Manchester City de Guardiola, que tem atuado frequentemente com De Bruyne e David Silva neste miolo do campo (à frente de Fernandinho, que lá joga em diferentes funções, mas, prioritariamente, como volante entre linhas). Na verdade, o “nível de ofensividade” dos Citizens nesta formação que assinalei é claramente superior ao que propus para o nosso mandachuva, ou seja... Não idealizo neste texto algo mirabolante.

Existem algumas outras ponderações/críticas que faria com relação ao que Tite disse/fez até aqui como nosso treinador. Escalações, convocações, teorias explanadas em entrevistas... Cenas para os próximos capítulos.

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