'Resultadismo' e imitação

14/08/2018 às 19:04.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:55

Nas várias manias que observamos por aí nas análises sobre futebol – na imprensa, entre as torcidas... –, duas têm me chamado atenção. A primeira, o bom e velho “resultadismo” – no Brasil, combustado por uma pressa inacreditável, uma irracionalidade digna de um país no qual Collor é senador e candidato ao governo. Materializado um placar qualquer, ainda notamos quase sempre o vício de uma busca por motivos com quê de deterministas, de categóricos; capazes de esgotar, de genuinamente justificar. A dificuldade para aceitar que às vezes as coisas simplesmente acontecem, que não é obrigatório encontrar alguém para ser elevado ao olimpo dos heróis, tampouco um pária para padecer no purgatório da inquisição... Sequer uma razão minimamente palpável, a necessidade de uma mudança, por mais ínfima que seja, estão por trás dos desdobramentos de cada jogo; mas aí como seriam preenchidas as infinitas mesas-redondas?

Outro cacoete extremamente comum no alarido que cerca o esporte bretão – presente, claro, na construção das opiniões coletivas em qualquer meio –, reside na tendência humana de apenas aderir a discursos aos quais se tem acesso pelas interações. Cria-se um rótulo, edificam-se proposições simplórias para “definir” alguém, um tema; estas falas são espalhadas, vão fluindo nos espaços sociais; pronto: o indivíduo, sem reflexão digna do nome, sem recorrer a qualquer estudo, ciência, apenas pega para si aquela “análise”, aquela “explicação”. No futebol, um exemplo cristalino disso se dá inclusive entre os profissionais, os “especialistas”, que, sem assistirem a um jogo, fingem que o fizeram apreciando-o por meio de muletas que lhes soam inteligentes. Como diria Schopenhauer: “O efeito completo, muito forte, do exemplo repousa em que via de regra o homem possui muito pouca capacidade de juízo, e frequentemente também muito pouco conhecimento para explorar seu próprio caminho; motivo pelo qual gosta de trilhar as pegadas de outros. (...) Ao mesmo tempo este surpreendentemente forte instinto de imitação no homem também testemunha seu parentesco com o macaco. Imitação e hábito são as molas mestras da maioria das ações humanas”.

Os dois fenômenos até aqui esmiuçados habitualmente se somam, se misturam. Um resultado acontece. Nasce a ânsia de achar uma grande sacada que o justifique de modo um tanto tangível, palpável. Nesta procura, apela-se a clichês que flutuam no misterioso universo das falas. O Cruzeiro perdeu para Corinthians e São Paulo jogando até bem. Criando. Como existiu a derrota, contudo, mandatória é uma crítica negativa. Mano tem fama de ser excessivamente pragmático – até o sentido desta palavra é desvirtuado, mas enfim... –, de optar quase sempre pela chamada postura reativa – só esperar o adversário para, no erro deste, a partir dele, responder. Eureca! Eis a opinião “inteligente” associada aos confrontos em questão: “o Cruzeiro precisa ‘apresentar mais’, ‘jogar mais’, pelo elenco que tem; há de mostrar mais ‘ideias’...”. Que, no fundo, nestas derrotas e nos triunfos anteriores, após a Copa, o time já mostrara, em boa medida, estas qualidades cobradas, que fogem do rótulo dado a Mano, passa despercebido... Perdeu para os times paulistas? Sim: por pecado nas finalizações, azar, vacilos defensivos, méritos do tricolor nos contragolpes puxados... E por aí vai. Mas não por “ter proposto pouco o jogo”. Não exatamente por ter sido “burocrático”, “carente de ideias”.

Chega o cotejo contra o Flamengo. A Raposa dá um show. Rendimento categórico. Inclusive, em considerável grau, tomando as rédeas, controlando, se impondo, desfilando determinada sofisticação em termos criativos – não apenas “esperando”. E aí? Como ficam os que diziam que o time só “reagia”, se limitaria a “se fechar”? Com cara de tacho? Reconhecem o erro? Tratou-se ali de algo totalmente esporádico? Não, não e não; mas sempre há um jeitinho...

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