Torcedor infantilizado

26/07/2016 às 12:33.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:01

No documentário “Lord Don’t Slow Me Down” (2007), Noel Gallagher, cérebro do Oasis e torcedor fanático do Manchester City, ao passar em frente ao estádio do seu time do coração, em determinado momento, diz algo como, suspirando: “o templo do mau futebol...”. O episódio ocorreu em 2005, quando o Oasis fez três shows lotados no novo palco dos Citizens – este colunista teve o prazer de estar em um deles. O City of Manchester Stadium havia sido inaugurado em 2002 para o atletismo e 2003 para o futebol. Antes, a equipe azul de Manchester jogava no Maine Road, onde o Oasis realizou shows históricos em 1996. Vale lembrar: em 2005, quando Noel proferiu a frase carregada da mais típica ironia inglesa, o City ainda não tinha sido comprado pelo bilionário grupo árabe que ainda o controla (o que aconteceu apenas em 2008; curiosamente, umas das primeiras contratações de considerável impacto, caras, desta nova fase do clube, foi Robinho, que vinha do Real Madrid). Logo, as palavras do guitarrista/torcedor símbolo ainda faziam sentido: o time era, de fato, ruim. E pior: tinha como vizinho e rival um dos maiores do mundo, o Manchester United, que da década de 90 até aquele momento dominara completamente o futebol inglês.

Durante as várias vezes em que estive na Inglaterra, e mesmo observando a cultura daquele país de longe, pude comprovar, por meio dos mais variados exemplos, que esse tipo de relação que Noel, enquanto torcedor completamente fanático, tem com o seu time, é bastante comum por lá. Com pequenas variações, em geral, em termos análogos, o mesmo vale para boa parte da Europa – e até para os Estados Unidos, onde, claro, o chamado fanatismo costuma ser diferente e as agremiações (franquias) adoradas são de outros esportes.

O que quero dizer com isso? Que nesses lugares, por mais apaixonados, fanáticos que sejam, os torcedores – quer dizer, pelo menos grande fatia deles – não costumam deixar o cérebro em stand by quando vão falar do seu clube; eles não precisam brigar com fatos, entrar num estado de negação quase inacreditável para não reconhecer verdades que soam ruins para suas instituições tão queridas. Eles amam o clube, e pronto. Para “embasar” esse sentimento, não necessitam de, como crianças em estado pré-racional, fazer rodeios retóricos, pirracentos, para tentar “ganhar” no grito discussões que às vezes passam por fatos tão simples quanto inquestionáveis – por exemplo, clara disparidade quanto a um rival em número de títulos e/ou tamanho de torcida; em muitos casos, basta contar, não há muito debate. E há algum problema em torcer pela agremiação que tem desvantagem nesses quesitos? Não, nenhum.

No Brasil, invariavelmente, ser adepto realmente fervoroso envolve, em grande medida, colossal descompromisso com a razão. Por essas e outras, muito comum é o cenário em que determinada pessoa dotada, digamos, de uma honestidade intelectual mais aguçada, de um espirito minimamente racional, por mais que adore o futebol e um clube, tenha preguiça de debater sobre este esporte em escolas, faculdades, escritórios, bares... A infantilização, a cegueira, a bobagem incomodam.

O curioso – e talvez mais prejudicial – nesta história toda é que, a imprensa, com medo de desagradar parte do público, dotada do seu comum e nefasto ranço populista, à sua maneira e em graus distintos, frequentemente também deixa a razão de lado, não tem coragem para dizer certas verdades. “Tem coisa que não dá para falar...”. Nisso, diversas vezes, o debate midiático também fica bobo. E faz rodeios demais onde não deveria... 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por