Verdades inconvenientes

02/08/2016 às 08:44.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:06

Olimpíada: época em que proliferam-se no Brasil os discursos versando sobre a falta de apoio do poder público para zilhões de modalidades – somente para, um segundo depois, nunca mais se falar nisso; até os próximos quatro anos... Há alguma mentira nesse tipo de fala? Não. Desde que me entendo por gente nenhum governo, no nosso país, do PSDB ou do PT, teve uma política esportiva minimamente elogiável num âmbito macro, geral. Entretanto, o “problema” dessas reclamações não se limita apenas à constatação de que boa parte de seus arautos é composta por oportunistas e/ou sujeitos que não se enquadram infimamente no perfil de jornalista/cidadão intelectualizado/crítico (muitos arrotam tais cobranças simplesmente porque “pega bem”, e o fazem sem a devida substância, sem o risco de realmente se comprometer com alguém; em suma, sem colocar o dedo na ferida devidamente, apenas com a pose de “questionador”); o buraco é mais embaixo: num contexto amplo, somadas essas colocações, fica-se com a impressão de que, invariavelmente, elas simplificam, minimizam, deixam de fora pontos centrais. Sim, a classe política no Brasil é risível e, basicamente, não sabe fazer nada; mas e o futebol, é bem tratado por algum órgão do Estado – ou pela própria CBF? Claro que não.

A principal ideia aqui é: se “nossos representantes” precisam, verdadeiramente, trabalhar MUITO melhor a questão dos esportes – não somente –, se eles mostram-se, de modo inquestionável, inteiramente ineptos para gerir nessa área, será que, independentemente disso – ainda que esses defeitos não fossem reais – , se conseguiria criar competições sustentáveis para muitíssimas modalidades, pintar o cenário de conto de fadas que certas pessoas pedem somente com apoio/dinheiro público? Será que o fato de o Brasil ser um dos países no planeta com a cultura esportiva mais limitada, mais monotemática – só se pensa em futebol –, em todas as esferas, não há de entrar na análise? Nessa linha: a carência de interesse de uma quantidade mínima de pessoas por 99,9% das modalidades não precisa ser lembrada? E o papel da imprensa, que morre de medo de sair da zona de conforto, “arriscar” sua audiência passando/falando de qualquer coisa que não seja do esporte bretão – vá lá, um pouco de vôlei e, uma vez a cada mil anos, quando surge alguém midiático faturando títulos graúdos (Guga, Medina...), concede-se alguns efêmeros instantes ao céu para algo mais “alternativo”?

A situação da esmagadora maioria de modalidades esportivas no Brasil é, em diferentes sentidos, similar à de quase toda manifestação cultural que não seja massificada, popularesca: no nosso país não costuma existir um contingente mínimo de pessoas interessadas e dispostas a gastar com produtos/eventos que saem do eminentemente mainstream – que no caso do Brasil, no mundo dos esportes, é só o futebol; assim, do mesmo modo que não se encontra quantidade suficiente de indivíduos para criar, solidificar uma cena indie musical capaz de possibilitar que bandas dessa área sobrevivam de sua arte; do mesmo jeito que não há leitores num patamar satisfatório para que escritores de literatura séria/artisticamente relevante/ambiciosa vivam de direitos autorais, não se tem público consumidor adequado para movimentar cenários/competições minimamente autossustentáveis de quase todas as modalidades esportivas existentes.

O governo teria obrigação de amenizar esses pontos, tentar mudá-los, de melhorar sua atuação e, consequentemente, o quadro vigente tanto na cultura quanto no esporte? Sim – tendo em vista nosso tipo de sistema político! Mas nem sempre, ainda que ele fosse ligeiramente digno – ou até espetacular –, conseguir-se-ia abrir horizontes de maneira razoável para muitos dos pleiteantes – ou dos coitadinhos defendidos. Pelo menos em médio prazo.

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