As gerações Nem-Nem, Canguru e a pandemia

15/07/2020 às 19:58.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:02

Léo Miranda (*)
lmiranda@hojeemdia.com.br


A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Educação (Pnad) de 2018, realizada e publicada pelo IBGE, mostrou que neste ano das 47,3 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos no Brasil, 23% (ou 10,8 milhões) não trabalhavam nem estudavam, sendo que destes  53% eram homens e de cor preta ou parda. Essa é a realidade da parcela da população denominada "geração nem-nem", que não trabalha e nem estuda. 

Se apresentada sem maiores explicações, a geração nem-nem suscita dos mais variados juízos de valor, sendo em geral associada à falta de motivação dos jovens, ou mesmo qualquer adjetivo que os coloque na caixa do desprezo. Contudo essa interpretação carece de uma compreensão efetiva e sensível da realidade de milhares de jovens que por questões sociais e econômicas se viram obrigados a abandonar os estudos. 

Em geral estamos falando de jovens de baixa renda que evadiram da escola em busca de trabalho, de sustento, de complemento de renda ou manutenção de suas famílias.  O problema é que a não conclusão dos estudos é exatamente o que os coloca à margem do mercado de trabalho. Sem experiência e sem os estudos sentem na pele as dificuldades de se obter um emprego formal no Brasil. Em um cenário de crise, como o que vivemos hoje em virtude dos efeitos da pandemia, são os que mais sofrem com a retração econômica e com a impossibilidade de retorno a escola, por motivos sanitários, mas principalmente econômicos.

Na contramão da "geração nem-nem" está a "geração Canguru", uma alusão ao animal de origem australiana. Essa espécie marsupial carrega seus filhotes em uma pequena bolsa acoplada ao corpo até os mesmos atinjam a autonomia. É daí que vem o termo que designa os jovens de 25 a 34 anos que esticam a estadia familiar por motivos econômicos (20% da população dessa faixa etária). No caso dessa parcela, as dificuldades econômicas inerentes à entrada no mercado de trabalho é suprida pelos pais, que garantem a estabilidade necessária para a continuação e aprofundamento dos estudos. 

No cenário de pandemia e incertezas econômicas os contrastes entre essas duas gerações que já eram enormes foram transformados em um abismo, particularmente no contexto educacional diferenciado em que se encontram. A discussão sobre a democratização do acesso ao ensino ganha contornos ainda mais sociais quando confrontados esses dois grupos com possibilidades tão distintas. São lugares de fala que refletem um problema estrutural, a desigualdade social histórica, agravada por um cenário pandêmico que não confere a todos as mesmas oportunidades, as mesmas possibilidades de escolha. 


Ao menos o contexto atual traz a luz problemas antes esquecidos no fundo da gaveta, abandonados como quem não quer revirar o passado, que na verdade é mais presente do que nunca. Que as reflexões do presente possam se transformar em novas possibilidades no futuro, que possamos falar de um país em que oportunidades de largada sejam as mesmas para todos e que tenhamos apenas uma "geração", a de jovens brasileiros com as mesmas oportunidades de acesso à educação formal.

(*) É professor de Geografia, graduado e mestre pela UFMG. Também é fundador do canal educacional Mundo Geográfico.

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