Cicatriz antes da ferida

05/01/2022 às 21:12.
Atualizado em 10/01/2022 às 02:02

Marcelo Batista

Na semana passada, abri as inscrições para o meu curso de redação em 2022. Como de praxe, lancei uma lista de espera para os interessados. Sempre, nessas situações, acompanho quantas pessoas estão na lista e quem e quantos são. Neste ano, um episódio se repetiu: um mesmo aluno preencheu o formulário mais de uma vez, no caso sete vezes, em dias diferentes. Este mesmo aluno, após a abertura das matrículas, fez a inscrição e mandou várias mensagens para saber quando as aulas começam, quando ele receberia o material, quando teremos simulados e várias outras questões relacionadas aos processos pedagógicos. Respondi e responderia outras mil vezes, por empatia. Ele é um ansioso, assim como eu.

Se você é do tipo que não espera a comida esquentar e cancela no micro ondas, se você tem insônia antes de um dia importante, se você planeja mentalmente o dia seguinte mil vezes, você é ansioso, algo cada vez mais normal em 2022. Depois de frustrações e decepções, nossa tendência é ter essa espécie de precaução excessiva, esse estado de alerta, essa incapacidade de esperar o futuro. Quantas vezes, na minha infância e adolescência, passei noites em claro antes do primeiro dia de aula. Antes da prova de segunda etapa da UFMG, por exemplo, passei quatro dias sem conseguir dormir, por causa da preocupação com as provas. Essa ansiedade, inclusive, ajudou a piorar o meu rendimento e por pouco não fiquei sem a vaga.

Falando nisso, quantas vezes nos prejudicamos por causa dessa sensação? Essa preocupação com a cicatriz antes mesmo da ferida, é algo especialmente problemático quando não tem tratamento. Tenho a sorte de poder pagar por medicamentos para tentar controlar a ansiedade e de buscar, por exemplo na atividade física, a tentativa de controlar esse mal do século XXI, como diria o psiquiatra Augusto Cury. E para quem não consegue controlar essa corrosão por falta de assistência?

Mas, claro, não podemos afirmar que temos só o lado ruim nesse sentimento. O contrário da ansiedade é a irresponsabilidade. Se o ansioso se preocupa demais com o futuro, o irresponsável não está nem aí para ele, o que é igualmente problemático. O importante é saber dosar. Não que devamos planejar demais, mas, como representante político da nação, por exemplo, possamos evitar o descaso com a população que, na Bahia, estava sofrendo com as enchentes. Não devemos planejar demais, mas que não pensemos que a vacinação de crianças possa ser postergada. O importante é o meio-termo, o equilíbrio aristotélico.

No mundo da ansiedade, que corrói como ferrugem na visão de Emicida, o mais importante seria trabalhar a questão do equilíbrio emocional desde cedo, nas escolas. Mas para isso acontecer talvez o único caminho seja uma maior preocupação o futuro dos estudantes; não só com a vacina, mas com o lado emocional, para que as feridas, da ansiedade e da Covid, corroam cada vez menos.

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