Com frio na barriga e muito a perder

09/06/2021 às 21:57.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:08

Marcelo Batista*

Era início de 2003. Com 19 anos, consegui colocar num jornal o anúncio como professor particular de todas as matérias. Tinha acabado de concluir o Ensino Médio e estava aprovado no curso de letras, mas as aulas só começariam no mês de setembro devido a uma greve da UFMG. Era a primeira aula particular da minha vida. Eu não sabia que seria a primeira de muitas. Se eu soubesse, teria decorado o nome da aluna, lembraria em qual escola estudava. Mas eu esqueci quase tudo.

A juventude era tanta que nem o frio na barriga eu sentia. Subi a rua Mar de Espanha, no bairro Santo Antônio, para dar a minha primeira aula de português e matemática. Que saudade da minha irresponsabilidade dos 19 anos! Naquela época eu tinha a ousadia até para me colocar como professor particular daquela que havia sido a minha pior matéria ao longo do meu ensino: a matemática. Mas na época eu não tinha medo de não dar certo. A inexperiência traz coragem e algumas gotinhas de cara de pau. Eu não tinha absolutamente nada a perder.

Depois daquela temporada de aulas, entraria na universidade e passaria a ter a minha nova oportunidade somente um ano depois, como estagiário em uma instituição tradicional da cidade. Inflava o peito para falar que eu era o plantonista de português. Estava lá para tirar todas as dúvidas dos alunos, para resolver todas as demandas, para ensinar tudo no menor tempo possível, para trazer a pessoa amada em três dias, para fazer o aluno passar de ano num passe de mágica.

De lá para cá, várias oportunidades diferentes de trabalho: como monitor, professor, plantonista. Deu tempo para desistir da carreira e trabalhar com comunicação social, para arrepender e começar tudo de novo. Depois disso, várias oportunidades surgiram. Comecei a “pegar o boi pelo chifre” na profissão, passei a acordar cedo, a me cuidar de verdade para executar da melhor maneira possível a minha profissão. Deu tempo de virar sócio de cursinho, fazer muitos amigos, brigar, sair da sociedade, refazer o caminho mais uma vez, começar tudo de novo. O frio na barriga foi só aumentando.

Do professor que era confundido com os alunos, passei a ser uma pessoa que dá algumas dezenas de aulas por semana, com um detalhismo que faria o Marcelo de 19 anos duvidar. Mas ficamos mais experientes e começamos a colocar muita coisa em jogo. Não dá para brincar muito. E mesmo parecendo que tudo começou ontem, hoje alguns alunos me chamam de “senhor”, não reconhecem aquela novela ou aquele artista que fazia sucesso durante a minha adolescência e me fazem lembrar que o tempo já passou, inclusive para mim.

Fui vacinado na semana passada contra a Covid, exatamente por ser professor do ensino médio. Uma preciosa dose no meu braço esquerdo e depois de quase 20 anos o peso da responsabilidade chegou: parece que finalmente tenho muito a perder.

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