Marília, Mariana e a impossibilidade de errar

10/11/2021 às 19:16.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:13

Marcelo Batista*

No dia 5 de novembro de 2021 o Brasil parou com a morte de Marília Mendonça. A notícia foi tão divulgada que soa repetitivo contar que a cantora morreu aos 26 anos na cidade de Caratinga (MG), após seu avião cair e bater nas pedras de uma cachoeira da região. Muitos esquecem que além da artista morreu também o tio e assessor da artista, Abicieli Silveira Dias Filho; o produtor Henrique Bonfim Ribeiro; o piloto Geraldo Martins de Medeiros e o co-piloto Tarciso Pessoa Viana. Logo após o incidente, a mídia passou a buscar insistentemente quem seriam os culpados. Poderia, por exemplo, ser a imperícia do piloto que não soube controlar a aeronave em um momento de pane. Esse profissional muitas vezes é considerado o responsável pelo acidente, como se, de alguma forma, ele pudesse ser algo feito de forma intencional. Ninguém quer derrubar um avião. Se quisesse, ninguém derrubaria um avião que leva uma artista como Marília Mendonça.


Da mesma maneira que o piloto foi contestado, a própria cantora foi criticada pela própria mídia que, mesmo que quisesse não conseguiria encontrar imperfeições na  sua voz. Muitos apontavam que a aparência da cantora não era a ideal - talvez o peso dela fosse, para alguns, inadequado ou não combinava com a aparência de alguém que estava na mídia com tanta frequência. O público não perdoa. Alguém sempre acha um motivo para criticar mesmo que você seja impecável na sua profissão.

Não adianta ser um exemplo de empoderamento ou até criar um estilo próprio na música brasileira. Contestações de quem precisa sempre achar um erro, um culpado ou até alguém que não pode nunca errar. Para alguns, pessoas públicas como Marília Mendonça não podem morrer. Para artistas até a morte pode ser vista como um erro. É como se o público quisesse sempre que o artista estivesse ali: para as palmas ou para as vaias. Quem se importa?

E pensar que no mesmo dia 5 de novembro o rompimento da barragem de Mariana fez 6 anos. Na ocasião, a tragédia gerou como reflexo a morte de 19 pessoas. O engenheiro de uma grande empresa não pode errar. A fiscalização não pode errar. Não importa a causa: cansaço, imperícia, irresponsabilidade ou falta de preocupação com a vida de outras pessoas.

Assim como o piloto e o artista, o professor não pode errar. Mesmo depois de 12 aulas ao longo do dia, mesmo depois de um ano estafante de trabalho, mesmo depois de quase 2 anos de pandemia. O público não perdoa. Perto do Enem, o avião com 1000 vidas não pode cair. Ninguém pode ser vítima da falta de habilidade do profissional que assim como o artista e o engenheiro não pode errar e nem abandonar os palcos.

Nem que seja dia 5 de novembro, a mesma data da morte de Marília Mendonça e dos outros passageiros do avião. Nem que seja a mesma data da morte, 6 anos antes, de outras 19 pessoas em Mariana, o professor não pode errar. Mesmo que seja por um erro de cálculo ou por imprecisão na hora de subir no seu palco, o professor não pode errar.

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