No meio do viaduto tinha uma pedra

04/02/2021 às 15:42.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:06

Marcelo Batista (*)

mbatista@hojeemdia.com.br

Cancelamento. Essa palavra certamente foi a mais discutida ao longo dos últimos dias, devido à postura da cantora Karol Conká no Big Brother Brasil 21. Confesso que não sou fã do programa, mas basta acessar qualquer tipo de rede social para entender a insatisfação do público em relação ao cancelamento de Lucas Penteado, colega confinado do programa global. O episódio de tortura psicológica fez com que muitos exigissem a expulsão da cantora do programa, como uma forma de represália às suas atitudes. Ou seja: para reagir a um cancelamento, nada mais útil que cancelar a outra pessoa, certo? Mas "cancelando o cancelador" estamos, de fato, cometendo o mesmo erro, o que é, no mínimo, incoerente.

Esse episódio lembra algo muito comum que acontece nas cadeias brasileiras. Todo mundo sabe o que acontece quando chega um estuprador nos presídios. Como uma forma de punição, ele é estuprado por vários outros detentos, indignados com o ato cometido. Ou seja, para corrigir o ato do primeiro, os companheiros de cela cometem o mesmo crime como uma forma de vingar as vítimas anteriores. Coerente, não? Infelizmente aprendemos a ter esse tipo de comportamento revanchista do justiçamento, o que é um aspecto social muito crítico na nossa sociedade. 

Esse tipo de atitude é, de certa forma, incentivado desde o ambiente escolar. O que os professores, muitas vezes, fazem com o aluno que se comporta mal? Colocam o estudante de castigo, longe dos demais colegas no recreio ou o isolam na sala de aula encostando a carteira na parede. Isso quando esse tipo de atitude não vem dos próprios colegas que "gelam" um amigo indesejável. Assim o isolamento começa e demonstra a falta de empatia, de diálogo, de entendimento do próximo e das suas necessidades mais profundas. Não estamos acostumados a dar chance para quem erra e nem queremos conversar para, juntos, buscarmos a evolução como indivíduos.

É mais assustador ainda quando esse tipo de comportamento vem do próprio Estado, com a anuência da maior parte dos cidadãos. Nesta semana, a prefeitura de São Paulo resolveu intensificar a utilização de pedras embaixo dos viadutos para que os moradores de rua não tenham onde ficar ou para que pelo menos estejam menos aparentes na paisagem da cidade. Diferentemente do comportamento dos espectadores do BBB, a postura de grande parte dos indivíduos diante do ato da prefeitura foi de apatia em relação a esse comportamento desumano. Tudo isso porque estamos acostumados a cancelar desde sempre indivíduos que são considerados, de fato, inferiores para grande parte da população: os moradores de rua, que geram muito menos comoção popular em uma situação de abuso que um participante de um reality show. É necessário que possamos aprender, desde cedo, a ter empatia. É fundamental que as instituições de ensino e, claro, as famílias, discutam sobre o assunto. Se desejamos um mundo diferente, precisamos aprender a agregar e não a cancelar, por mais difícil que isso seja.

(*) Marcelo Batista é educador há mais de 15 anos e fundador do canal Aprendi com o Papai, no Youtube.

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