O dilema das câmeras abertas

24/03/2021 às 20:43.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:30

Leonardo Miranda*

São seis e cinquenta da manhã, me preparo para mais um dia repleto de aulas on-line que se iniciam dali alguns minutos. Deixo tudo pronto no ambiente virtual, coloco uma música animada para que os que chegam iniciem o dia de uma forma mais leve e descontraída. À medida que os alunos começam a entrar, bolinhas com suas iniciais pipocam na tela, a amplio então para vê-las em mosaico, um misto de colorido e ao mesmo tempo monotonia. Por trás de cada bolinha alguém, presente (ou não) para aula, que tem início com sonoro bom dia, acompanhado por poucas respostas escritas no chat. Logo após esse momento, vem o pedido sincero: “galera, vamos abrir as câmeras para conversamos ao longo da aula”. Após o pedido, timidamente alguns rostos começam a surgir na tela em aparições efêmeras. Tão logo começo falar sobre o tema do dia, as câmeras se fecham novamente. 

A cada aula on-line todo o processo se repete como um ritual, assim como a solidão de falar para interlocutores que são “bolinhas coloridas” em uma tela e na maioria das vezes inertes ao que acontece. Em raros momentos, as “bolinhas coloridas” se personificam, fruto de mais uma súplica daquele que as interpela: “galera, bora abrir a câmera”. O reforço no pedido surte algum efeito e revela as vezes rostos risonhos, na maioria das vezes por um vídeo que é assistido em outra aba do navegador, enquanto a fala do professor é colocada no mudo, ou pela conversa que rola com o amigo na rede social. 

É claro que há sempre aquele aluno mais disponível para o diálogo e para aquilo que acontece na aula. Inevitavelmente ele se torna uma referência no campo visual e de interação, como se ele fosse o representante de todos os que visualmente não querem ou não podem aparecer. Nesse último caso, também é claro que todas as variáveis são levadas em conta como justificativa, inclusive as técnicas: como fazer com um computador lento, uma internet que cai quando câmera é aberta, ou mesmo, quando ela está ausente? Há também as variáveis circunstanciais, como uma casa em que muitos assistem aula ao mesmo tempo, ou que só conseguem acompanhá-las do celular, quando o sinal de internet permite. 

Mais um dia de aulas on-line termina. Contudo, elas, as aulas, continuam de alguma maneira no restante do dia, na preparação das que estão por vir, mas principalmente no pensamento do que pode ser feito de diferente. O sentimento não é de julgamento pelas câmeras fechadas ou pela falta de interação, mas sim de reflexão sobre como engajar os alunos. Em conversas com colegas, percebo que todos compartilhavam de alguma maneira as mesmas questões, os mesmos dilemas. O que fazer diante de tudo isso? Talvez aceitar que os tempos são outros e que o melhor a fazer é se colocar no mesmo barco que aqueles que nos ouvem, dar novos sentidos para as aulas, para que elas não sejam apenas sobre geografia ou qualquer outro conteúdo, mas que principalmente incorporem novas interações e experiências. 

(*) É professor de Geografia, graduado e mestre pela UFMG. Também é fundador do canal educacional Mundo Geográfico

  

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