O silêncio do último horário

17/03/2021 às 15:37.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:26

Marcelo Batista*

mbatista@hojeemdia.com.br

Entro no cursinho onde trabalho e percebo um clima pesado no ar.  Por todos os lados, potes de álcool em gel, um item que começa a ser raro na cidade. Onde conseguiram esse estoque para garantir a segurança de tantos alunos? Sala lotada. 120 alunos preocupados com a redação do Enem e com a interrupção dos estudos. O que fazer durante a pausa nas aulas? Ficar 14 dias sem trabalhar por causa da pandemia pode ser algo que comprometa bastante os estudos dos meninos para o Enem. Certamente alguns feriados serão perdidos. Será que teremos aulas aos sábados ou domingos para compensar? É melhor não passar a minha ansiedade para os alunos. Ainda restam 8 aulas no dia.

Durante as aulas, uma tosse ou um espirro geram um clima de tensão e até irritação entre os alunos. Alguém poderia estar com Covid. Mas uma tosse ou espirro talvez não seja o suficiente para o vírus se espalhar. Talvez uma máscara poderia ajudar em algo. Será que eu vou ter que usá-las para dar aula após o nosso retorno da quarentena? O diretor do curso entra em sala. Explica que a instituição saberá lidar com a situação com a maior seriedade possível, que ninguém será prejudicado e os estudos para o Enem continuarão com a mesma qualidade de sempre. Durante a H1N1 o cursinho ficou uma semana sem aula e não houve nenhum prejuízo ao ano letivo. 4 aulas para o fim do dia.

Cai uma chuva forte, algo comum no mês de março. A luz acaba, mas a claridade é suficiente para continuar a aula, não precisa parar. Professor, o mundo vai acabar? Enquanto alguns alunos riem, outros optam por ir embora mais cedo. Com a chuva e com muitas pessoas nos supermercados da cidade é melhor ir para casa para evitar o trânsito, mas ainda tenho mais aulas pela frente. Amanhã vamos parar mesmo, não tem problema se eu demorar mais para chegar em casa. Ainda faltam 2 aulas.

Sala lotada, o som alto dos alunos como de costume. Será que isso vai fazer falta nas próximas duas semanas? Muitas dúvidas depois da aula, a fila imensa de sempre no corredor. Será que vai dar tempo de atender todo mundo? Os alunos vão, um a um, desaparecendo na imensidão do corredor. Prometo ao meu parceiro de trabalho que vou prosseguir fazendo o nosso próximo livro nos últimos dias, esse tempo vai ajudar para colocar esses trabalhos em dia enquanto a situação melhora. Atendo o último aluno e vou embora. Será que ficaremos sem aulas até abril?Última aula.

365 dias e 282 mil mortes depois, continuo contando. Quantos dias e quantas mortes a mais? Quantas folhas do calendário a menos e quanto tempo de isolamento? A partir de amanhã, toque de recolher na cidade. 94% dos leitos ocupados. Tomara que as ruas fiquem vazias. Tomara que haja mais respeito e empatia. Talvez eu tenha que esperar só mais duas semanas para o retorno às aulas presenciais. Não sei no que acreditar. Até quando? Enquanto isso, o quadro continua em branco, a sala dos professores continua vazia e o silêncio ecoa nos corredores como se fosse durar para sempre.

(*) Marcelo Batista é educador há mais de 15 anos e fundador do canal Aprendi com o Papai, no Youtube.

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