Ressocializar é preciso

14/07/2021 às 19:33.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:25

São sete horas da manhã, logo toca o sinal para o começo da aula. Entro em sala e a plenos pulmões solto aquele bom dia, turma! Ouço, então, alguns retornos, baixos e tímidos, dos poucos alunos em sala. Enquanto preparo os equipamentos para iniciar a aula com aqueles que também me acompanharão de casa, tento interagir com aqueles que me veem pessoalmente: e aí galera, como estão as coisas? Nenhuma resposta a vista. O silêncio impera. Nesse momento, em uma tentativa de descontrair um pouco, eu pergunto: ô gente, isso tudo é frio ou sono? A tentativa surte algum efeito e vejo alguns sorrisos por meio dos olhares, mas mesmo assim, sem muita empolgação. Repito o processo, só que agora com a câmera ligada e diante dos que me assistem de casa. Inconscientemente há uma expectativa da minha parte, quem sabe quem está on-line interaja mais um pouco. Nada feito, continuo sem resposta, ao menos um bom dia no chat.

É inegável o ganho que o retorno às aulas presenciais trouxe e ainda trará para a retomada das atividades escolares físicas. O primeiro passo precisava ser dado em algum momento, mesmo em meio ao debate se esse momento deveria ser o presente, diante da persistência do medo e do risco de contaminação ainda iminentes. Contudo, o retorno ao ensino presencial (ou híbrido) tem descortinado o lado humano e social ainda não muito debatido e pensado. Para além da defasagem de conteúdo, de aprendizagem, há outro atraso com o qual o modelo tradicional de ensino escolar parece não estar muito preparado. Como retomar as relações sociais entre os estudantes e destes com o mundo mais vasto que o isolamento social produziu? Em sua maioria, esses jovens responderam ao imediatismo da pandemia aprofundando a hiperconectividade, os laços digitais, os modelos estéticos e de comportamento experimentados por mais de 15 meses longe da maioria das formas de interações pessoais.  Não que a tecnologia não tenha sido importante durante esse longo e sofrido período, ela sem dúvida facilitou e muito a nossa vida em todos os aspectos, o principal deles o de permitir que não perdêssemos por completo o que nos restou de interação, de afeto, de esperança.

A questão que se põe vai além do que a tecnologia nos ofereceu e ainda oferece nesse momento. A falta de interação na sala de aula é apenas um sintoma de um efeito maior, ainda não muito claro, mas que com certeza demandará atenção ao lado humano, talvez até mais que o acadêmico (não que esse não seja relevante). A sensação é que os tempos de ensino on-line, ou mesmo da ausência de qualquer possibilidade de interação com a escola, realidade da maior parte dos estudantes de escolas públicas, produziu muito mais do que a evasão. Entre os estudantes mais jovens, a virtualização de um dos poucos espaços em que o contato físico e a interação social resistem, a escola, parece ter produzido uma outra epidemia: a do desinteresse pela socialização física ou pelo outro que não o virtual.

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