Capitólio: carta de uma sobrevivente

14/01/2022 às 12:05.
Atualizado em 18/01/2022 às 00:53

8 de janeiro de 2022 – Escarpas do Lago – Capitólio – Minas Gerais

“Acordamos animados. Estávamos cheios de expectativas e ansiosos para o passeio de lancha e conhecer a Lagoa Azul, cachoeiras e os cânions. O tão esperado sol não apareceu e o tempo seguiu nublado. Às 8h chegamos ao píer, local de embarque. Assim que descemos dos carros, a chuva deu o ar de sua graça, então decidimos não ir e voltamos para casa. Combinamos com o Guilherme, proprietário da lancha, que se o tempo melhorasse ele entraria em contato conosco e resolveríamos fazer ou não o passeio naquele dia.

Por volta das 9h30, recebi uma mensagem do Guilherme falando sobre a possibilidade de embarcarmos, devido à melhora no tempo. Decidimos ir. Rapidamente nos organizamos e fomos felizes, com a possibilidade de realizarmos o sonho de conhecer as maravilhas do Mar de Minas. Saímos por volta das 10h30. O passeio deveria durar 4 horas. Navegamos aproximadamente 1 hora até chegarmos na Lagoa Azul. Como lá estava muito cheio e as pessoas sem máscaras, resolvemos seguir adiante. O piloto mal estacionou a lancha e zarpamos.

Em poucos minutos chegamos aos cânions. A beleza do lugar impressiona. Tiramos fotos, fizemos selfies e filmamos aquele lugar incrível. Nossa primeira parada foi na cachoeira e logo depois estávamos em frente à rocha que se desprendeu do paredão de pedras. Observamos algumas pedrinhas caindo, mas achamos “normal”. Enquanto nos divertíamos e contemplávamos tamanha beleza, outras pedras caíram, dessa vez um pouco maiores que as primeiras. Minutos depois, outras pedras se desprenderam. Trocamos olhares e pedimos ao piloto para sair dali. Ele, prontamente manobrou a lancha. Olhei para cima e vi aquela enorme pedra caindo. Em questão de segundos, veio uma onda gigantesca, parecendo um tsunami, com uma água preta, que cobriu tudo.

Ficamos submersos. Nessa hora achei que fosse morrer. Não sei como saí debaixo d’água. Vi uma criança com as mãos para cima, cabeça coberta pela água e com duas pedras em cima do tronco. Comecei a tirar essas pedras de cima daquela criança, com muita dificuldade. Meu cunhado apareceu e me ajudou. Se não fosse ele, não teria conseguido, devido ao tamanho e peso das pedras. Ele me disse depois que puxou essa criança pelo cabelo e que essa criança era o Henrique, meu filho caçula, de 9 anos. Logo depois vi o Matheus, filhote mais velho, chorando muito e falando que não estava enxergando nada. Não sei como, demonstrei calma e disse para ele que estava tudo bem, que sairíamos de lá e que o mais importante era que estávamos vivos. Nosso marinheiro começou a gritar: sai da lancha, sai da lancha, vai afundar!!!! No mesmo segundo me desesperei e gritei para o Alexandre, meu marido: procura o Henrique, procura o Henrique!!!!

Conseguimos chegar até a margem de um dos paredões e as pessoas que presenciaram o trágico acidente tiraram todos da água. Olhei para o lado e percebi que todas as crianças tinham sido resgatadas. Foi um alívio. Ao mesmo tempo vi o corte no rosto da minha irmã caçula, a Isabel. Foi ASSUSTADOR!!! A Bel foi resgatada primeiro, por um Anjo, que a levou direto para o hospital, em seu próprio carro. Ele não quis esperar o socorro chegar, pois o ferimento dela era muito grave.

Fomos levados para a Lagoa Azul, onde os voluntários fizeram os primeiros socorros. Muita gente machucada, com braços quebrados, cortes por todo corpo e sangrando muito. Os voluntários decidiram por não esperar o socorro da Marinha chegar, pois estava demorando demais, e as crianças, sete no total, choravam muito. Era um misto de pavor e dor.

Nessa hora reencontrei meu marido Alexandre e o Matheus. Nos colocaram na mesma lancha e seguimos para o Turvo, onde as ambulâncias chegaram. Fomos levados para diferentes hospitais da região. Eu, Henrique e minha irmã Sílvia fomos transferidos para Pium-í, pois precisávamos de um ortopedista. Isabel ficou em Passos, onde tinha cirurgião plástico. Os demais familiares e amigos foram prontamente atendidos na Santa Casa de Capitólio.

Fiquei muito tempo sem ter notícias dos outros. As informações estavam muito desencontradas. À noite consegui saber que todos estavam bem e que somente eu e a Isabel ficaríamos internadas.

Passado esse pesadelo, tenho um misto de sentimentos: TRISTEZA pelas 10 vidas perdidas, ALÍVIO, FELICIDADE, AMOR e GRATIDÃO A DEUS e a todos os anjos que estão na terra e, prontamente, nos ajudaram, rezaram e ainda estão rezando por nós: minha Mãe, que é um ser de outro planeta e pessoa ímpar, aos meus queridos amigos e amigas, minhas irmãs de sangue e coração, familiares, cunhados e cunhadas, sobrinhos, turistas, marinheiros de outras lanchas, moradores da região, médicos, enfermeiras, funcionários dos hospitais, pessoal das ambulâncias, Giselle, Michelly, Guilherme, Mauro e sua esposa, Pit, jornalistas, enfim, todos aqueles que torceram e torcem por nós, todos aqueles que mandaram e seguem enviando as melhores vibrações, todos aqueles que passaram momentos de aflição e angústia sem ter notícias.

MUITÍSSIMO OBRIGADA A TODOS VOCÊS!!!! As centenas de mensagens, telefonemas e chamadas de vídeo estão sendo fundamentais para nossa recuperação.

FOI UM MILAGRE!!! Deus tem um propósito para todos nós e nos livrou desse desastre, dessa fatalidade!!!!

RENASCEMOS!!!!! Agora é seguir em frente, agradecendo, a todo instante, essa oportunidade que nos foi dada por Deus, que é MARAVILHOSO!!!”

Ana Martins da Costa

Juntamente com a Ana, autora deste emocionante depoimento, e suas irmãs Silvia e Bel, e posteriormente com o Alexandre Campello e Sérgio Guerreiro, maridos das duas primeiras, somos um grupo de amigos que há cerca de trinta anos vivemos juntos alguns momentos tristes e outros inúmeros felizes e fraternais. Foram várias viagens em carnavais, réveillons e férias. Neste fatídico 8 de janeiro estávamos em cantos diversos. Após a notícia da tragédia, tentamos contato e celulares desligados. Sem notícias, foram momentos angustiantes, tensos e deveras preocupante em receber aquela notícia que não queríamos ouvir e nem ler. Após algumas horas, nossas lágrimas de tristeza se transformaram em lágrimas de alívio e gratidão a Deus.

Todos partiremos um dia. Enquanto não chega nosso momento, desfrutemos da vida e sejamos plenos com duas das maiores bênçãos que podemos ter, nossa família e amizades verdadeiras!

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