O fenômeno dos ignorantes que nos cercam

19/03/2021 às 15:57.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:27

Pesquisadores da Cornell University, nos Estados Unidos, explicam o fenômeno Dunning- Kruger, referente àquelas pessoas que, não obstante total incompetência em determinado tema, fazem afirmações convictas, contestam e acreditam verdadeiramente que sabem mais do que experts na respectiva temática, mesmo quando confrontados a estudos, pesquisas, números e relatórios.

E o pior, em alguns casos não só opinam, mas agem conforme suas equivocadas convicções, com sérios e nefastos impactos algumas vezes em âmbito coletivo. Isto pode ocorrer em diversas temáticas, sejam em relação à Covid, educação, meio ambiente, novas tecnologias, conjuntura política e econômica, etc. 

Não quer dizer que seja adequada a ditadura da opinião única. A pluralidade de análises e viesses é salutar e necessária, mas com embasamentos técnicos mínimos e razoáveis, ancorados por fontes seguras e confiáveis. 
Hodiernamente, não é difícil encontrar pessoas acometidas com esta característica, seja em nosso ambiente familiar, social, profissional ou entre personalidades brasileiras e mundo afora. Este fenômeno não era algo novo quando foi explicado em 1999 pelos psicólogos David Dunning e Justin Kruger e publicados na revista Journal of Personality and Social Psychology. O ponto fulcral da teoria é que todo ser humano, alguns em maior intensidade que outros, se acha melhor do que realmente é, e que quanto menos uma pessoa sabe, mais ela vai achar que sabe. 

Dunning e Kruger atestam que esses indivíduos “sofrem com uma superioridade ilusória e que sua incompetência os impede de entender seus próprios erros. São pessoas que superestimam as suas habilidades no campo intelectual e/ou social. As duas principais dificuldades nesse caso são ter que administrar os resultados negativos obtidos de seus erros e a incapacidade cognitiva de perceber que não sabem o que acreditam saber”.

O estudo dos pesquisadores se baseou em testes aplicados a alunos do curso de psicologia da Cornell University. Estes quase em sua maioria superestimaram os resultados que obtiveram nos testes. A segunda etapa do experimento consistiu em oferecer a eles qualificação nas áreas abordadas. O passo seguinte foi um novo teste e agora que os estudantes tinham maior conhecimento, subestimaram os resultados nos exames. Em resumo, “o que esse experimento identificou é que quanto mais incompetente uma pessoa é, menos ela tem consciência de sua própria incompetência”.

Algumas observações interessantes deste fenômeno: Os incompetentes não conseguem reconhecer a sua incompetência e pensam que sabem mais e que estão acima dos demais em temáticas diversas, ou seja, no popular, “se acham”; os acometidos por ele não são capazes de reconhecer a competência em outros indivíduos, ignorando suas opiniões ou desprezando-as; os mais capacitados são os menos afetados pelo fenômeno, estando sempre abertos a ouvir opiniões diferentes, refletir acerca das mesmas, reconhecer seus méritos e aprimorar suas “verdades”, quando for o caso.

E algo bem relevante do efeito Dunning- Kruger, é que ele não é irreversível. Conforme pesquisas onde pessoas com piores resultados receberam feedbacks e tiveram suas performances comparadas com outras bem avaliadas, elas em geral corrigiam suas constatações e passavam a reconhecer a própria ignorância no assunto. 

Por suposto que em casos extremos, alguns continuam insistindo em seus pontos de vista, em um completo e absurdo “achismo”, mesmo que totalmente em contra a sérios estudos e análises de especialistas. Em um artigo publicado na Pacific Standard, David Dunning dispõe que “ouvir sempre feedbacks e reconhecer erros é essencial. Superestimar o próprio conhecimento, como mostramos, é normal para todos – a verdadeira ignorância é insistir no erro”.

Duas observações finais para reflexão. Não desconsiderando os inúmeros pontos positivos da tecnologia e das redes sociais, elas têm uma enorme potencial de criar e alimentar ignorantes dotados de alta carga dos efeitos do fenômeno Dunning-Kruber. Dentro de suas bolhas hermeticamente fechadas e de concepções maniqueístas, formam e/ou aceitam afirmações e constatações estúpidas de tudo quanto é assunto, desprovidas de uma mínima veracidade e seriedade quanto à fonte, e as compartilham sem o menor pudor, como verdade absoluta, não admitindo opiniões diversas ou contraditórias.

E por fim aqueles que, seja no Brasil ou mundo afora, que lideraram seus países em períodos em que a corrupção foi generalizada, manifestamente constatada e provada em escala global, drenando milhões dos recursos públicos em benefícios próprios, para dirigentes partidários, parlamentares, empreiteiros e que porventura em algum momento se apresentem como paladinos da honestidade, como messias no combate à desigualdade e à pobreza, estes não sofrem do fenômeno Dunning-Kruger, mas sim são desprovidos de caráter, e a eles, o rigor da lei.

  

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