Depois da inércia, o escracho

27/03/2021 às 11:12.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:31

Um ano depois do início da pandemia da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro fez uma reunião com governadores e criou um comitê para enfrentamento da doença, que já vitimou mais de 300 mil brasileiros. O comitê será formado pelos presidentes da República, da Câmara e do Senado, pelo ministro da Saúde, pelo procurador-geral da República e por uma liderança científica.

Ao longo deste um ano, no campo da retórica, Bolsonaro minimizou a gravidade da doença, chegando a rotulá-la como “gripezinha”; atacou iniciativas regionais para conter a pandemia, incentivou aglomerações e fez pouco caso das medidas sanitárias que podem evitar a propagação do vírus; desdenhou da vacinação, questionando sua segurança (quem não se lembra da história do jacaré?) e dizendo, já em dezembro do ano passado, que a pressa para sua aquisição e distribuição não se justificaria; e fez a todo tempo propaganda de medicamentos que todos os médicos do Brasil sempre puderam receitar livremente, como se coubesse a político decidir que tratamento um médico deve dar ao seu paciente.

No campo das ações, inércia. Inércia na abertura de novas vagas de especialização em saúde para preparar profissionais para atuação em UTIs. Inércia na aquisição de vacinas, que fez o Brasil deixar de comprar 130 milhões de doses ainda no ano passado. Inércia na aquisição e distribuição de insumos de saúde, ou mesmo na regulação nacional de seus estoques, que fez Manaus viver o pesadelo da falta de oxigênio nos hospitais. Inércia na assunção de qualquer liderança que se espera de um presidente da República para a coordenação nacional de esforços e medidas.

O presidente justificou toda sua inércia dizendo que o STF o havia proibido de exercer essa liderança e coordenação. Nunca foi verdade, apesar de sempre ser repetido. O que o STF decidiu é que o combate à pandemia e as ações de saúde são responsabilidade de todas as esferas da federação, o que também inclui a União Federal, e que governadores e prefeitos podem adotar medidas específicas para suas realidades locais.

Inacreditavelmente, no dia anterior ao da criação do atrasado Comitê e mesmo diante deste cenário dantesco de (in)ações e retórica, o presidente da República leu um pronunciamento em cadeia nacional pintando a si mesmo e ao seu governo como campeões da vacina. Depois da inércia, o escracho. A afirmação desdenha da nossa inteligência com a mesma virulência com que desdenhou da doença e da vacina no passado, e esquece que a internet não esquece de nada.

A criação do comitê é notícia muito boa, apesar de muito atrasada, e dele esperamos grandes ações para o futuro. Não esperamos que apague o passado, todavia.

  

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