Natal, Netflix e privilégios

27/12/2020 às 12:57.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:24

Escrevo esta coluna no dia de Natal, cheio de saudades de minha família, que não pode se reunir por causa da Covid. Sei que muitas outras famílias em todo o Brasil estão vivendo a mesma saudade. 

Passei o tempo que era para ser com toda a família assistindo Netflix com minha esposa. Vimos um filme excelente, chamado “Os Sete de Chicago”, que narra a história de um processo movido pelo governo dos Estados Unidos contra ativistas que pediam o fim da guerra no Vietnã.

O filme mostra como, nas mãos de pessoas que colocam os próprios interesses acima da moral e da justiça, as leis e as instituições democráticas podem ser subvertidas para impor perseguições e tirania. Mostra a falta de pudor do “sistema” quando se coloca em marcha para proteger a si mesmo, com relações no mínimo suspeitas entre Poderes. E mostra a força irresistível de uma ideia cuja hora chegou. 

Há no filme uma frase de um dos ativistas que me marcou. Ele disse: “as instituições da nossa democracia são coisas maravilhosas que estão ocupadas por péssimas pessoas”. Essa frase define muita coisa do Brasil neste momento que vivemos. Momento de pandemia em que os promotores do Ministério Público paulista e os ministros do STJ e do STF, duas das categorias profissionais com mais altos salários no Brasil, demandam prioridade na vacinação contra a Covid e buscam furar a fila. Na Inglaterra, nem a rainha, com seus mais de 90 anos, fez pedido parecido. 

Acredito que a quase totalidade dos promotores, ministros e servidores dos órgãos que tentaram furar a fila andam em veículos oficiais ou próprios, têm um trabalho que pode ser feito, em imensa parte, de forma remota, e têm Netflix em casa. 

Sei que ter Netflix em casa, algo que parece tão comum no meio que vivo, é um privilégio para poucos, distante da maioria da população brasileira, do povo guerreiro que anda todo dia em ônibus lotado, cujo trabalho é manual e não pode ser feito a distância e cujo lazer depende, na maioria das vezes, de espaços públicos e de algum risco de aglomeração. São essas pessoas que devem ter prioridade. A elas, desejo no Natal uma vacina que venha rápido e seja segura e eficiente. 

Aos privilegiados que, usando do poder de suas instituições, buscaram furar a fila, desejo que aproveitem essa época linda do ano para colocarem a mão na consciência e enxergar o absurdo dos privilégios que buscam, seja na vacinação ou nos diversos penduricalhos que criam para si às custas do povo. Que se lembrem de uma das mais preciosas lições Dele, que é o homenageado nesta data: que o poder é para servir, e não para se fazer servido. 

Feliz Natal, amigos leitores.

  

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