Sobre os ombros de gigantes

01/01/2021 às 16:45.
Atualizado em 05/12/2021 às 03:49

Semana passada, foi ao ar a retrospectiva do ano e Liginha e eu paramos tudo para assistir. Mesmo sabendo que é superficial e que a definição do conteúdo está sujeita a escolhas editoriais, muitas vezes cheias de visão ideológica, é uma tradição nossa que adoramos.

Além da tristeza em lembrar das chuvas que assolaram o país no início do ano e do desalento de ver há quanto tempo se arrasta a COVID e quantas vítimas ela já fez, um outro fato, me chamou atenção: o vandalismo praticado contra a estátua de Winston Churchill, em Londres. A essa notícia da retrospectiva se soma outra no mesmo tom: a retirada, em Boston, de uma estátua de Abraham Lincoln.

O vandalismo e a retirada da estátua foram decorrentes dos protestos antirracistas do movimento Black Lives Matter. Nada mais justo, urgente e necessário do que combater o racismo, e o assassinato de João Alberto no Carrefour de Porto Alegre nos mostra de maneira brutal que isso é um problema também no Brasil. Todavia, não me parece que atacar a memória de Churchill ou Lincoln seja a melhor forma de fazê-lo. Lincoln foi o presidente que enfrentou e venceu uma guerra civil em seu país para pôr fim à escravidão. Churchill foi um dos principais responsáveis pela vitória aliada sobre o regime nazista, do qual o racismo era um dos pilares centrais.

Mas não apenas no contexto da luta antirracista o passado foi revisto e julgado sob a luz do presente em 2020. Aqui no Brasil, entre liberais, Roberto Campos foi alvo de cancelamento em razão de seu trabalho como ministro no governo Castelo Branco.

É um erro julgar o passado e suas figuras sob os olhos do presente. É um erro ser incapaz de distinguir o criador de sua obra. Para ficar em uma figura que marcou 2020, Maradona foi um gênio em campo e nada exemplar fora dele. É possível admirar e honrar o gênio dos gramados sem endossar as ações dele fora das quatro linhas. 

É um aspecto triste dos nossos tempos essa cobrança da virtude absoluta, sob pena de cancelamento. Ao invés de me causarem repulsa, as imperfeições dos gênios do passado me inspiram. Elas me mostram que não é preciso ser perfeito para contribuir para o avanço da sociedade e fazer o mundo melhor.

Ano novo é tempo de olhar para o futuro. Que façamos isso sem desrespeitar o passado. Afinal, como disse Sir Isaac Newton, se hoje enxergamos tão longe é porque estamos apoiados sobre os ombros de gigantes. Se hoje vemos injustiças e problemas que antes sequer eram percebidos, em larga margem é porque esses gigantes, cada um a seu tempo, derrubaram obstáculos mais próximos que antes limitavam nosso horizonte. Obrigado a cada um deles, com todas as suas imperfeições.

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