Não acredito em bruxas, mas...

23/05/2018 às 20:35.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:13

Nos anos 1990, me encontrava fazendo o Ph.D. na Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. O Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UW-Madison congregava dois departamentos: o de Sociologia e o de Sociologia Rural. Meu orientador, Arch Haller, era professor de ambos os departamentos. Todavia, ele tinha um vínculo bem mais forte com o Departamento de Sociologia Rural, vinculado à Faculdade de Ciências Agrárias e da Vida (CALS, na sigla em inglês).

Certo dia, eu estava trabalhando no nosso gabinete de pesquisa, quando Arch chegou de uma reunião da Congregação do CALS, da qual ele era membro. Estava claramente irritado e com vontade de desabafar. Ele - que nos deixou há poucos meses, era um cientista social especialista em Brasil (os chamados “brasilianistas”) e totalmente apaixonado pelo nosso país - me relatou que o USDA (equivalente ao Ministério da Agricultura do Brasil e principal financiador das pesquisas do CALS) havia emitido um memorando no qual informava que os laboratórios de pesquisa americanos especializados em temas relacionados à soja não deveriam mais aceitar a participação de pesquisadores brasileiros, fossem eles alunos de pós-graduação, pós-doutorandos ou pesquisadores e professores visitantes. Naquele momento, em decorrência da bem sucedida articulação entre a Embrapa e vários dos campi agrários de universidades brasileiras, o Brasil estava consolidando sua revolução tecnológica na produção de soja. O aparelho de estado americano via naquilo uma ameaça aos EUA e não estava mais disposto a compartilhar conhecimento de ponta com brasileiros.

Esse caso que presenciei é apenas um pequeno exemplo de como uma grande potência mundial não brinca em serviço para defender seus interesses. Toda grande potência precisa garantir a segurança alimentar de sua população, bem como fontes relativamente estáveis e baratas de energia. Os EUA conseguem a primeira coisa de forma endógena, mas sempre enfrentaram tensões com relação à segunda.

Todos sabem o quanto o aparelho estatal americano joga pesado com relação ao petróleo. Especialistas ouvidos por vários dos mais tradicionais órgãos de imprensa do Brasil analisaram de forma realista a comprovada espionagem dos EUA na Petrobras. O pré-sal brasileiro representaria grande oportunidade para os EUA dependerem menos do petróleo do Oriente Médio e da Venezuela. Será pura coincidência que a primeira iniciativa legislativa de grande importância aprovada após o golpe tenha sido a mudança no sistema de exploração do petróleo? Antecedeu, inclusive, a chamada PEC dos gastos públicos. Portanto, achar que a hipótese de participação do aparelho estatal americano no golpe de 2016 é pura paranoia jeca, de duas uma, ou é muita ingenuidade ou é má fé! 


 

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