Ulisses, as sereias e os inimigos da democracia

05/09/2018 às 13:44.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:18

Conhecemos a história de Ulisses e as sereias, na Odisseia. Ele coloca cera nos ouvidos dos seus marinheiros para que não ouçam o canto das sereias e pede para ser amarrado ao mastro do navio e deixado com os ouvidos abertos para poder ouvir o tal canto. A ordem era para que em nenhuma circunstância os marinheiros o desamarrassem.

Jon Elster, cientista social norueguês, utilizou o episódio mitológico de Ulisses e as sereias para realçar certas situações nas quais a ação racional do ser humano pode advir de escolhas que pareçam irracionais. 
No caso em tela, trata-se de situação na qual pode ser racional o indivíduo optar pela contenção do seu próprio desejo.

Uma situação clássica da analogia feita por Elster é a relação entre capitalismo e democracia. 
Os princípios democráticos têm potencial de reduzir a desigualdade de poder entre os cidadãos. Independentemente do nível de renda, cada cidadão tem direito a um voto. É claro que há mecanismos que reduzem esse potencial, como o financiamento privado de campanhas, mas que não anulam o efeito nivelador da democracia.

A chamada “era de ouro” do capitalismo ocidental (do fim da segunda guerra mundial até a década de 1970) se deu quando os capitalistas aceitaram a restrição de seus “desejos e oportunidades” em prol da democracia. Isso levou a uma redução significativa da desigualdade e a um crescimento econômico extraordinário.

O mundo vivia, porém, no auge do capitalismo industrial fordista. A pujança do fordismo dependia de uma crescente capacidade de consumo da população. 

Hoje, vivemos sob a égide do capitalismo financeiro. Na década de 1970, 5% do PIB americano se deviam ao setor financeiro, ao passo que hoje são 20%. 

O capitalismo financeiro não depende de expansão do consumo, mas fundamentalmente da capacidade dos estados nacionais de honrarem o serviço da dívida pública. Essa nova realidade pode estar minando o compromisso da plutocracia com a democracia, em nível mundial.

No caso do Brasil, temos o agravante de que, além da plutocracia, o estamento burocrático e profissional parece também estar reduzindo seu compromisso com a democracia. 
O processo democrático parece ter levado a uma significativa redução da desigualdade de oportunidades. Essa redução atingiu diretamente esse estamento.

A decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (seria a ONU bolivariana?) mostrou que, em nível internacional, a legitimidade das eleições presidenciais no Brasil sairá irremediavelmente arranhada na ausência do ex-presidente Lula como candidato. 
As elites estamentais e plutocráticas brasileiras, ao invés de agir como Ulisses, não estão colocando quaisquer amarras ao seu poder de restringir as liberdades democráticas e a vontade popular!

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por