O descompasso da Taxa Selic

30/03/2017 às 20:45.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:57

A verdade sobre as taxas de juros imorais praticadas no Brasil é que elas não cairão enquanto o governo não se mover. De nada adianta cortar a Selic se a queda não chegar na ponta do tomador final. O governo fez dois cortes, de 0,75 ponto percentual cada, nas duas últimas reuniões do Comitê de Política Econômica do Banco Central (Copom), em janeiro e fevereiro, mas os juros dos bancos continuam subindo.

Ontem, o BC divulgou que a taxa média praticada nas operações de crédito livre – que não possuem destinação específica, como o crédito imobiliário – voltou a subir em fevereiro 0,5 ponto percentual, para a média anual de 53,2% (pessoa física). Os dados também mostram isso se deu exclusivamente pelo aumento dos spreads bancários, ou seja, da margem dos bancos. Na contramão, os bancos estão pagando menos para captar dinheiro no mercado. Em fevereiro, a taxa de captação geral caiu 0,4 ponto, para 10,7% ao ano.

Durante seis meses, na passagem de 2012 para 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o BC praticou a menor taxa básica de juro da história, de 7,25%. Mas a queda dos juros na ponta do tomador não se deu unicamente por conta dos cortes na Selic. Foi a ação coordenada entre o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, de reduzir seus spreads e baratear o crédito, que fez com que os demais grandes bancos também reduzissem seus juros. Como são apenas cinco grandes bancos, a força do governo, com duas instituições, é relevante.

Meirelles e Goldfajn, que vieram do setor financeiro, não vão jogar contra os bancos

O problema é que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, e toda a diretoria do banco é composta, hoje, por executivos oriundos do setor financeiro. E eles não vão jogar contra seus antigos e futuros patrões. Preferem jogar contra o país.

Selic
Além disso, os dois últimos cortes da Selic podem parecer muito, mas não são. Parte da redução perd[/TXT_COL]e efeito por conta da queda da inflação projetada para o futuro.

Hoje, a Selic está em 12,25% ao ano. Como a inflação prevista para 2017 é de 4,12% (última pesquisa Focus), o governo está pagando juro real de 8,13% ao ano. Continua sendo a maior taxa de juro do mundo, apesar dos cortes recentes.

Existem juros nominais maiores que os do Brasil, mas não juros reais. A Argentina, por exemplo, pratica taxa básica de juro de 24,75%, mas a inflação do país vizinho em 2016 foi de 41%. Na Venezuela, o juro está em 20,76%, para uma inflação de 800%. Estão, portanto, pagando juros negativos. Mas são países em crise profunda, que não servem como parâmetro.

Vamos, então, comparar o Brasil aos Brics, que teoricamente deveriam apresentar certa similaridade nos juros. Na Rússia, a taxa básica nominal está em 9,75%, para uma inflação de 4,6%. O juro real, portanto, é de 5,15%. Vejam bem, estamos falando de um país que precisa embutir em seus juros o prêmio de risco pelos dois conflitos armados do qual participa, na Síria e na Ucrânia.

Já a Índia pratica juro real de 4,7% (juro nominal de 6,5% menos inflação de 1,8%), a África do Sul de -0,1% (juro nominal de 7% menos inflação de 7,1%), e a China de 3,55% (juro nominal de 4,35% menos inflação de 0,8%).

Hoje, Japão, Suécia, Dinamarca e Suíça pagam juros nominais negativos. E outros 21 países, quase todos europeus, praticam juro nominal zero, o que na prática significa juro real negativo. O objetivo é incentivar o crédito para consumo e investimento das empresas e combater os resquícios da crise de 2008.

Assim como a Europa, o Brasil também enfrenta a mais profunda e longa crise econômica da sua história. Também precisa incentivar o consumo e os investimentos. Mas pratica a mais alta taxa de juro do mundo. Qual a lógica disso? Nenhuma.

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