Em todas as classes sociais do nosso país encontramos pessoas que são dominadas pelo “complexo de vira-latas”. Esse termo foi cunhado por Nelson Rodrigues, quando conquistamos a primeira Copa do Mundo. Em artigo publicado na revista Manchete Esportiva, de 31.5.1958, ele assim conceituou: "Por complexo de vira-latas entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo” (fonte: fpabramo.org.br/2018/06/29/1958-vitoria-que-espantou-o-complexo-de-vira-latas/ - acesso em 22.11.2021).
De fato, às vezes parece que só os estrangeiros se encantam pelo Brasil. Observe, por exemplo, o discurso de quem vai ao exterior e volta admirado, contando maravilhas que vão desde o esplendor dos monumentos até a conduta dos pedestres no trânsito. E a conclusão é de arrasar: “Ah, se o Brasil fosse assim...”
Ora, nós temos – sim – problemas sociais graves. Mas os demais países também têm seus problemas. Quem achar o contrário, que visite, no próximo passeio ao exterior, a periferia de Paris, ou o Brooklyn em New York.
Não somos inferiores a nenhuma nação, nem do ponto de vista cognitivo, tampouco do ponto de vista moral. E, entre outras coisas, nós podemos nos orgulhar da instituição dos concursos, o que inclui o Exame Nacional do Ensino Médio, o famoso Enem.
As tentativas de fraudes são raras. E, quando existem, são detectadas com recursos tecnológicos modernos. A comissão de professores, encarregada de elaborar as questões, mantém o sigilo. E, até muito recentemente, não se tinha notícia da interferência de nenhum político nos conteúdos a serem perguntados.
Mas eis que, antes da prova do último domingo, o nosso Presidente, no que foi seguido pelo Ministro da Educação, disse que o Enem terá “a cara do Governo”. Com essa frase infeliz, todo o procedimento de seleção dos alunos se tornou suspeito. Afinal, ao se adiantar o perfil da prova, ainda que de forma geral, a pergunta que não quer calar é sobre o sigilo das questões.
O Enem não deve ter “a cara” de nenhum governo, seja quem for que estiver no Poder. Se interferências como essas continuarem a ocorrer, em breve estará perdida a confiança que milhões de candidatos depositam no Enem e nos concursos.
Enfim, o “Enem deve ter a cara do Enem”, e de ninguém mais. Se isso não for respeitado, quem “ganhará” são nossos compatriotas que, tomados pelo “complexo de vira-latas”, enxergarão mais um motivo que nos envergonha perante outros países.
Para que isso não ocorra, desejo a todos a garra e o empenho nos estudos.