Carteirada sem carteira

15/05/2018 às 20:37.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:51


Em dez anos de atividade na Corregedoria, constatei que o “campeão de audiência” nos processos disciplinares é a “carteirada”. Esta é a gíria que designa o ato de se apresentar por meio da respectiva carteira. Não é que seja proibido identificar-se. O problema são as circunstâncias, que podem ser escandalosas ou abusivas. É por isso que uma boa “carteira” costuma ser sem a carteira. O interlocutor, avaliando a sua postura, fica sem dúvida de que você tem a autoridade com a qual se apresentou.

Foi assim que se sucedeu comigo e minha família na Argentina. Estávamos cumprindo uma etapa do mestrado em Buenos Aires. Ao passar próximo de uma unidade da Polícia Federal Argentina, decidi entrar para conhecer a estrutura deles. 

- Buenos días, Señor - caprichei no espanhol ao dirigir a palavra ao jovem policial impecavelmente fardado.

- “Buen día”. É assim que os argentinos cumprimentam coloquialmente.

Eu me apresentei como delegado federal e disse que gostaria de conhecer as instalações. Então, ele me pediu a carteira e esclareci que não estava na posse dela naquele momento. O diálogo que se seguiu mostrou a compreensível inexperiência daquele colega e “hermano”.

– Entonces, ¿cómo puede pruebar que es autoridad policial en Brasil?

Argumentei que eu não havia me apresentado para me livrar de uma suspeita ou para auferir vantagem indevida. Eu queria apenas conhecer os colegas de profissão na Argentina.

Ainda desconfiado, ele ordenou que aguardássemos, pois levaria o caso ao “comisario-jefe”. Menos de um minuto após, o chefe veio nos receber. Ao contrário do jovem policial, ele precisou de poucos segundos para chegar a esta conclusão: a minha postura valia mais que a carteira.

- ¡Sean bienbenidos! Es un placer recibir un colega de la PF de Brasil. Ele nos recebeu com café e percorremos a delegacia. Na despedida arrancou do ombro a sua divisa de “comisario” e me presenteou. Disse que esse é um costume, quando recebem um visitante ilustre. Eu me senti realmente distinto. E tudo começou com uma carteirada sem carteira.

*Advogado, professor da Faculdade Promove, mestre em Educação, delegado federal aposentado e autor de “Como Passei em 15 Concursos”.

 

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