Terno de cinema

31/07/2018 às 21:48.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:41


Nos idos do século passado, aquele delegado-chefe era exigente e rigoroso na disciplina. Certa vez, ao chegar à repartição policial, ordenou a seu auxiliar mais imediato: “Avise àquele agente de plantão que volte para casa e calce um sapato decente. Eu detesto esse modismo de tênis”. Noutro episódio, sempre chegando cedo à delegacia, dispensou um subordinado que atrasara dois minutos ao assumir seu posto: “Diga-lhe que está dispensado para descansar em casa e economizar na passagem de ônibus. E vai precisar economizar mesmo, pois descontarei no salário.

Mas ele sabia elogiar quando um subordinado se trajava adequadamente. Outro hábito que conquistava admiração: não se esquecia do aniversário de nenhum subordinado e sempre os presenteava nestas ocasiões.

Naquela longínqua década, quase todos os policiais tinham um terno xadrez, por influência de um filme de 007, em que o protagonista fez sucesso com esse traje. Mas a moda logo passou. E terno xadrez chegou às beiras do ridículo.
E quem é que viu o agente de plantão justamente com um terno xadrez? O rigoroso delegado – claro!

– Isso é traje de um policial que atende o público!? – esbravejou o chefe. E, sem permitir que o plantonista pronunciasse uma única palavra, o delegado seguiu em tom cada vez mais alto:
– Você está ridículo com esse terno! Isso não é roupa de um policial que se preze! 

Os policiais da delegacia, e também pessoas que aguardavam atendimento, aproximaram-se para assistir ao espetáculo. Depois de muito se exaltar, o agente teve oportunidade de falar bem baixinho, ao pé do ouvido do superior:

- Mas Doutor... esse é o terno que o senhor me deu de presente.

O chefe ergueu o braço e armou o dedo indicador para apontá-lo em riste. Mas parou a cena e se manteve imóvel, como se fosse uma estátua. 

Depois de numa longa reticência, abaixou o braço... tocou fraternalmente no ombro do interlocutor e disse: “Pensando melhor, você está muito bem trajado”. 

*Advogado, professor da Faculdade Promove, mestre em Educação, delegado federal aposentado e autor de “Como Passei em 15 Concursos”
 

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