A hora de acordar

28/09/2018 às 18:10.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:42

Não permitiria passar em branco o centésimo décimo aniversário de morte de Machado de Assis. Não há trocadilho, por ter sido o fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) afrodescendente, como se diz hoje, além de pobre e epiléptico, o que não o impediu alcançar a culminância literária.

Transcorridos 11 décadas do passamento do grande escritor, constata-se estar forte e sólido no pedestal de admiração erguido pela comunidade literária internacional. Creio que não exageraria se afirmasse que a morte dele comoveu o país. Sua vida e consagração se tornaram uma notável mensagem de fé e confiança de quantos nascem, entre nós, estigmatizado pelas diferenças. 

A oração fúnebre, em 29 de setembro de 1908, em nome da Academia Brasileira de Letras, toca o coração e foi lida nada menos do que por Rui Barbosa, um dos companheiros na fundação da ABL. Manifestou-se em determinado trecho: 

“(...) Mestre e companheiro, disse eu que nos íamos despedir. Mas disse mal. A morte não extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima. Um dia supuseste ‘morta e separada’ a consorte dos teus sonhos e de tuas agonias, que te soubera ‘pôr um mundo inteiro no recanto’ do teu ninho; e todavia, nunca ela te esteve mais presente, no íntimo, de ti mesmo e na expressão do teu canto, no fundo do teu ser e na face das tuas ações. (...)”.

O ano de 1908 foi de adeus e de lágrimas entre os membros da Academia, todos já idosos e sofridos pelas mazelas do tempo. Fabio de Sousa Coutinho, que acaba de publicar excelente livro sobre os juristas da Academia, lembrou a última carta dirigida por Lúcio de Mendonça, acadêmico de primeira hora e membro do Supremo. Por força da cegueira, o ministro enviara a Machado um agradecimento:

“Obrigadíssimo por haver lembrado de mim, sobrevivente a mim mesmo. Chega-me, neste momento, o Memorial de Aires, que vou mandar ler. Será o primeiro livro seu que eu leia com olhos de outrem; quero, porém, que o agradecimento ainda seja do meu próprio punho. Se não tem medo de almas do outro mundo, deixe que lhe beije as mãos criadoras o discípulo devotadíssimo...”.

Especialmente oportuna a lembrança dos fatos e dos personagens, em face da situação ora atravessada pelo Brasil sob vários aspectos. Ademais, pela lembrança de Hélio Jaguaribe, advogado, sociólogo, cientista político e escritor, recentemente falecido, cidadão probo e de atitudes corajosas, como demonstrou durante o governo militar.

Também membro da Academia Brasileira de Letras, como registrou Aristóteles Atheniense (conselheiro nato da OAB, diretor do IAB e do IAMG), Hélio Jaguaribe, tão pouco reverenciado agora, afirmou: “O Brasil é mais ignorante do que pobre e, em última análise, é pobre porque é ignorante”.

Mais: “o país tem o desenvolvimento que a sua educação lhe proporciona. O fato de que há uma parcela muito grande de brasileiros totalmente deseducados ou parcialmente educados constitui um peso inerte que dificulta a marcha do Brasil. Portanto, a primeira coisa a fazer é ampliar a educação e melhorar o nível dela. Só isso bastaria, porque, como o país, em uma tendência positiva para crescer, se tiver educação cresce na direção certa e com a velocidade certa”.

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