A revoada vital

14/12/2016 às 20:14.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:05

Sabia eu que seria mais do que a narrativa sugerida pelo título - “A revoada dos anjos de Minas (Ou A diáspora de Mariana)”. O livro editado pela Autêntica é de J. D. Vital e vale muito. Embora com foco no fechamento do Seminário Maior São José, de Mariana, após 250 anos, o autor descreve o ambiente de efervescência em Minas, no Brasil e no mundo, depois que o século XX passara da metade.

A narração começa com a extrema-unção de Silva Bélkior, a pedido da esposa Fernanda, preocupada com a alma do marido. O sacerdote era o padre Lauro Palú, diretor do Colégio São Vicente, do Rio de Janeiro, de grande prestígio. O enfermo, possivelmente moribundo, ergueu os olhos e perguntou ao padre: 
- Você já se casou?

O doente fora uma das inteligências daquele tempo, tendo passado pelo Colégio São José; ostentara nome de Belchior Cornélio da Silva, traduzira o ensaio “Revelação e Tradição”, do original alemão Offenharung und Uverlieferung, de Karl Rahner e Joseph Ratzinger, futuro Bento XVI. 

Padre Cornélio causou grande surpresa, ou estupefação, quando publicou em latim Camina Drumomondiana, com a versão à língua de Cícero de 52 poemas do poeta itabirano. Quem poderia imaginar? Terminava, solenemente “No meio do Caminho”, Media in via: “Et qui nunc, Joseph?/ Festum est finitu,/Lumen est extinctu,/ cuncta evanuit turba,/ lux est frigefacta,/ et quid nunc, Joseph?”

Quem tivesse algum ímpeto de deixar a leitura, já não o faria. O texto agrada e o tema começa a fascinar, fazendo admitir que terá à frente algo atraente e bem elaborado. Vital não se prende à ideia inicial. Evoca Mariana, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Petrópolis, enfim, tudo o relevante.

Lembra o velho “O Diário”, da Cúria Metropolitana da capital, que se orgulhava de ser “o maior jornal católico da América Latina”, fundado em 1935 por Dom Cabral, primeiro Arcebispo de Belo Horizonte (jornal que cheguei a presidir, muitos anos depois). 

Há de recordar-se, como se fez, em 10 de setembro de 1966, a notícia de que “os universitários das escolas do Largo de São Francisco, em São Paulo, foram os primeiros a se declararem em greve, em sinal de protesto pela prisão de 40 colegas pelo DOPS bandeirante”. 

Os americanos do Norte tentaram, mais uma vez, colocar em órbita a “Gemini ll”, em Cabo Kennedy. Um escapamento do tanque de combustível o impediu.

Enquanto isso, o presidente Castelo Branco vinha a Cambuquira para inaugurar o Circuito das Águas e Brejnev estudava apoio aos vietnamitas do Norte na longa guerra. O Banco da Lavoura publicava anúncio de regozijo pelo Dia da Imprensa e, na secção de espetáculos, estampava-se notícia sobre a apresentação do “Dr. Jivajo”, no Cine Guarani, na Rua da Bahia.

Na página 3, algo que tocava de perto à igreja: “Diante das crescentes dificuldades com que deparam os professores para equilibrar a impaciência da juventude e a lentidão com que evoluem as instituições, os diretores e professores do Seminário São José, com aprovação do Arcebispo de Mariana, Dom Oscar de Oliveira, decidiram suspender as aulas e fechar o estabelecimento, até que se aclare a situação”. 

Assunto para manchete. O Seminário era um dos mais antigos do país e tinha 115 seminaristas maiores. Um susto enorme, que J. D. Vital resgata, com mestria. Depois, eu volto. 

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