A violência pré-banalizada

14/06/2018 às 19:06.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:36

O escritor Emanuel Medeiros Vieira, nascido em Santa Catarina, caminhante pelo Brasil e fora dele, reside agora, novamente, em Brasília, onde goza de simpatia e bom relacionamento. Vai enfrentando, estoicamente, o câncer que só consegue vencê-lo em determinados momentos do dia, impedindo-o de dedicar-se à missão: escrever. 

Não desanima, e seus textos e poesias valeram-lhe indicação pela Associação Internacional de Escritores e Artistas, IWA, ao Nobel de Literatura, sobre o que falarei proximamente. Enquanto fluem os dias, dolorosos para Emanuel, ele faz reflexões e lembra os anos de chumbo, quando preso e torturado pela revolução ou ditadura militar. 

Em fevereiro último, em bom instante de saúde, Emanuel me encaminhou e-mail sobre a Campanha da Fraternidade 2018, promovida pela Conferência dos Bispos do Brasil, com temas “Fraternidade e Superação da Violência” e “Vós sois todos irmãos”. Na oportunidade, o presidente da entidade, cardeal Sérgio da Rocha, de Brasília, afirmou: “os grupos sociais vulneráveis são as maiores vítimas da violência”. 

O alto dignitário ressaltou que as várias formas de violência no Brasil são praticadas contra os negros, os jovens e as mulheres, mas descreveu também que “a corrupção é uma forma de violência e ela mata”. “Ao desviar recursos que deveriam ser usados em favor da população, os políticos acabam promovendo uma outra forma de violência contra o ser humano, a miséria”, embora o escritor enfatize que não somente eles (políticos) são responsáveis.

Concorda com Dom Sérgio, que acentuou ser “um equívoco achar que superaremos a violência, recorrendo a mais violência”. Na oportunidade, Dom Murilo Krieger, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, catarinense de Brusque, apelou: “vamos trabalhar para que a cultura da paz prevaleça e a gente viva num mundo onde, ao menos, haja respeito mútuo”. 

O poeta comentou: “o que acaba com a autoestima de um povo é a falta de conhecimento e ignorância”. Além da falta de fibra, “essa carência de solidariedade, essa obsessão por engenhocas eletrônicas, sem nenhum controle do instinto (já está em Freud: “a violência: inata do ser humano só pode ser coibida pela lei”).

Quase finalizando: “a violência banalizada em todos os lugares, nas escolas, o império do tráfico, a falência e comunicação entre pais e filhos, o sonho de ser modelo ou atriz, vai gerando uma sociedade de sonâmbulos morais”. 

Sente-se ainda prisioneiro na cadeira de tortura, em que havia um crucifixo na parede. O militar sem farda o olha e aconselha: “pede para Ele; Ele te salvará?”, perguntou, num sorriso cínico. Cristo quieto na cruz. O homem musculoso ligou a máquina: gritos, mais gritos, só gritos. O minuto parecia uma hora, ou a eternidade toda. O Crucificado em silêncio. Um guarda no térreo berrou eufórico: “gol do Corinthians”. O Doi-Codi era no bairro chamado Paraíso.

Introduzido no carro para transferência. Os agentes gritavam, “saiam da frente, são terroristas”, e as pessoas olhavam horrorizadas. Um agente disse: “não temos nada contra vocês. Se a revolução de vocês ganharem, pagando bem, a gente bate também naqueles que vocês mandarem. 
O Crucificado? Perdi-o de vista. Talvez esteja numa igreja velha”. 

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