Como as francesas na guerra

04/02/2017 às 19:38.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:42

Chama a atenção dos cidadãos o uso de algemas em detenções durante operações policiais que se sucedem em todo o país, causando-lhes repulsa quando não veem necessidade. Cada caso é um caso; houve prisão coercitiva? O detido poderia esboçar ou tentar evadir-se ou agredir o agente da lei? Há muitos aspectos a serem considerados, e pode-se observar pelas imagens de televisão como os marqueteiros João Santana e Mônica Moura voltam as mãos para trás do corpo quando escoltados, simulando a coação que não sofriam. 

Reinaldo Azevedo comentou, também, o caso das cabeças raspadas. “Não vibro ao ver Eike Batista de cabeça raspada. Ele não está condenado. A prisão dele é preventiva”. “Noto – entendo as alegações sanitárias para cortar cabelo e barba. Mas todo mundo sabe que não se trata disso. O que se busca mesmo é o ritual da humilhação, de sujeição”. “Essa exposição de cabeças raspadas de Eike, de Sérgio Cabral, de qualquer outro tem objetivo característico. Busca satisfazer a sede de vingança – porque ainda não é justiça – do povaréu”. “Aí, filho da mãe, agora tá careca, né?”.

Muitos podem ter opinião diversa ou contrária. O dr. Isaías Caldeira, juiz de direito da Comarca de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, pensa: “Trata-se de humilhação e aniquilamento do indivíduo, sinalizando a perda de poder sobre o próprio corpo, não se contentando os agentes públicos com a mera constrição de sua liberdade”. 

Temos de pensar bem, medir ações, antes de tudo. A justiça virá, em algum tempo. Mas parece existir alguém a precipitar os acontecimentos. “Não se admitindo mais a tortura física, resta a alternativa da humilhação, que é a tortura psicológica, de modo que um prisioneiro, que sequer tem denúncia formal contra sua pessoa, já sofra esta pena antecipada, na forma de supressão de suas melenas, à força, como a dizer que sua individualidade ali já não conta e que ele não tem o mínimo arbítrio sobre si, enquanto sujeito à prisão”. 

Trata-se de uma prática antiga, dependendo do país e da época. Nos Estados Unidos, raspava-se a cabeça do condenado para ir à cadeira elétrica, em determinadas circunstâncias. Aliás, o magistrado de minha terra também registra o fato, e eu cedo as linhas seguintes para repeti-lo: “A prática de raspar a cabeça do acusado ou suspeito não é nenhuma novidade, mas no Brasil é copiado do resto do mundo com atraso, até o que não presta. Quem não se lembra das mulheres francesas acusadas de terem mantido relações sexuais com os alemães, durante a ocupação nazista, e que tiveram suas cabeças raspadas em praça pública, enquanto o povo as hostilizava, no ano de 1944, com a França já libertada? A maioria apenas tivera simples contatos com os invasores, mas foi o suficiente para a execração pública, como se elas fossem colaboracionistas dos invasores”.

Por que?

Esse desejo de destruição do outro, física e moralmente, é descrito pela psicanálise como produto do inconsciente coletivo, assemelhando na prática a uma forma de punição e alívio às nossas culpas, sempre recaindo o castigo sobre o outro, imolado na fogueira pública, sob aplauso e esses desatinos. 

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