Crueldade medieval

19/01/2017 às 21:54.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:29

Se vivo, Ivan Lins repudiaria a classificação dos absurdos de nossos dias, com ênfase os relativos à situação dos presídios no Brasil, como algo da Idade Média. Filho de Edmundo Lins, presidente do Supremo Tribunal Federal à época da ditadura Vargas, deixou obra de notável saber sobre o período medieval, embora tão pouco conhecida hoje, lamentavelmente. Em língua portuguesa, nada existe que lhe supere, escreveu Francisco de Assis Barbosa.

Afrânio Peixoto, da Academia Brasileira de Letras, como Ivan Lins afirma que a Idade Média, por uma convenção puramente didática, é o espaço de tempo que medeia entre a Idade Antiga, que termina com o Império Romano, e a Idade Moderna, que começa com a queda de Constantinopla.
A definição, todavia, é apenas uma comodidade cronológica, pois o tempo antigo não acabou, menos ainda o médio, nem o moderno é geral e constante.

“Assim, a época serve ao momento ora vivido: ... Não raro, num país de hoje, se encontram populações ou atos históricos arcaicos, proto-históricos, pedra lascada, pedra polida, antigos, medievais, renascentes”.

Afrânio, como o faz Lins, acha injusto considerar-se a Idade Média “a noite de mil anos”. Pelo contrário, foi nela que se preparou o Renascimento, que se criou a civilização que gerou as nações modernas, nova língua, novo espírito, o mundo novo. “A civilização heleno-latino-cristã continuou no mundo moderno, graças ao espírito e à resistência medieval. Assimilou o bárbaro e fê-lo cristão”.

O belo-horizontino Ivan Lins penetra no âmago da Idade Antiga e da Idade Média para extrair exemplos irretocáveis. Não diz que tudo era límpido e belo, mas acompanha as mudanças benéficas que se fizeram no decorrer do tempo. Começa por perguntar que mais cruel houve do que os combates de gladiadores, oferecidos ao público como soberbos espetáculos? Nada atraía tanto os romanos de todas as classes e era com volúpia que os assistentes, inclusive as vestais, se levantavam freneticamente como um só indivíduo, para abaixar o polegar e ter a delícia de presenciar o vencedor cravar a espada na garganta do vencido.

Coisas terríveis aconteceram nos tempos romanos, a que Montesquieu atribuiu extrema crueldade. Indignava-se o público quando percebia que os gladiadores procuravam poupar-se mutuamente na arena. A tal ponto chegara o abominável crime, que Ático, um dos nomes mais cultos e responsáveis de seu tempo, decidiu instalar, em seus vastos domínios, uma “criação de gladiadores”. Estes eram alugados, com altos lucros, às cidades que quisessem propiciar tais divertimentos à população. 

A Idade Média não seguiu senão cronologicamente a era romana e muito da civilização moderna assumiu a evolução que sucedeu à época pós-romana. A crueldade, inclusive por omissão, nos presídios brasileiros do século XXI, nada a ver, teria, senão por desvios, com o tempo anterior, em que floresceu o Renascimento. 

O cristianismo contribuiu imensamente para amenizar e até para abolir, em Roma, o costume brutal de disputas entre gladiadores, como, aliás, está em filme sobre São Telêmaco. O monge desceu ao palco de um desses espetáculos desumanos e, separando os combatentes, acusou o povo em altos brados por sua insaciável sede de sangue. A multidão protestou e o atirou ao centro do anfiteatro, onde foi reduzido a pedaços.

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