Decoro parlamentar

08/01/2021 às 20:10.
Atualizado em 05/12/2021 às 03:52

Há poucos meses, um senador do Norte foi colhido pela Polícia Federal em sua residência ao esconder vultosa importância em cédulas do Tesouro Nacional no bolso da cueca. Não constituía novidade. Em ano anterior, ilustre deputado federal fora igualmente apanhado em semelhante e vexaminosa situação.

Os fatos me despertam para o passado no episódio envolvendo Barreto Pinto, “tráfego parlamentar carioca”, como o classificou Rivadávia de Souza, jornalista gaúcho que serviu a Getúlio Vargas por muitos anos. 

Barreto Pinto apareceu, nas páginas de “O Cruzeiro”, então a maior revista do Brasil, em uma reportagem de David Nasser e Jean Manzon, considerados os maiores da época. A matéria levava o título “Feliz como um peru” e nela se via o parlamentar envergando uma casaca, mas de cuecas.

O deputado, um tanto debilóide, enfrentava ensejos para escândalo desde que elas lhe correspondessem em divulgação, uma obsessão. Durante o trabalho da revista, posou entre piadas e risos, antecipando a repercussão. Conta-se que, quando inscrito para falar na Câmara, ocultava-se detrás de uma cortina, de onde só saía quando o presidente lhe anunciava a palavra. Então deixava seu esconderijo, carregando uma pilha de livros sob as axilas, atravessando gloriosamente o plenário.

Tudo lhe servia de ocasião para exibir-se. Diante de seu vocabulário à vezes ofensivo ou desordenado, chegou a ser advertido. De certa feita, o senador Isman Góis Moneiro lhe deu uns pontapés na região adequada. Barreto não fez por menos: ingressou no plenário aos gritos, como um possesso alegando ter sido agredido por Góis. Dias depois, o general, irmão do senador, entrou em cena, armado de pesada bengala para dar-lhe uma surra, obrigando-o a sair correndo, por motivos óbvios.

No entanto, a reportagem de “O Cruzeiro” rendeu mais. A Mesa da Câmara e Senado, em reunião conjunta, em pleno decorrer da discussão da Assembleia Constituinte de 1946, decidiu agir, inclusive com a possibilidade de cassação do infeliz entrevistado, o que, afinal, foi aprovado.

Naquela oportunidade, o senador Luis Carlos Prestes, líder da bancada do Partido Comunista, contestou a necessidade de uma reunião extraordinária para examinar a proposta. O assunto já era de pleno conhecimento de todos, mas o senador da esquerda não se contentou com as explicações do presidente, e indagou:

"Mas o que o Poder Legislativo tem a ver com as cuecas do sr. Barreto Pinto?"

Enquanto os ricos eclodiam no  plenário, Prestes retirou seus liderados do cenário, cujos integrantes que concluíram ter sido a entrevista um atentado ao decoro parlamentar.

No caso específico do senador deste nosso tempo, porém, a Comissão de Ética da Casa Alta, não se reuniu para examinar o caso, porque suas sessões estavam suspensas temporariamente.  Causa: pandemia.  Não foi suficiente que a moléstia deixasse no país até o final do ano quase 200 mil mortes, além de mais de 7 milhões, 700 mil casos confirmados. Até que este ano termine, muito mais aparecerá. É triste, mas verdadeiro.

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